Quando aqueles a quem a lei lhes atribui o poder de legislar exercem essa faculdade não para o bem coletivo, mas em próprio proveito e disso se servem até para enriquecer, o que pode restar à população, que a tudo observa, com olhar manso de um bovino, é sujeitar-se a esses desmandos, colhendo os restos que caem da mesa farta desses pantagruélicos políticos. Uma outra alternativa, mais eficaz, está na tomada de firme posição, pela parte mais esclarecida da população e que não mais tolera a condição de cidadão explorado e ludibriado por uma elite política que é a razão e causa perpétua da maioria dos problemas nacionais, desde que eles existem.
Como a verdadeira reforma política não veio e jamais virá pelas mãos daqueles que, com essas mudanças, perderiam, de vez, suas sinecuras, governichos e prebendas, é preciso ir fazendo valer a vontade da razão e da ética, por meio de iniciativas que costurem, pelas beiradas, um conjunto de ações capaz de alterar o status quo vigente, dando novos significados a regras e ordenamentos sem que isso ofenda a letra da Constituição.
De certo modo, é o que vamos observando, de forma ainda tímida no cenário nacional. Lançamentos de pré-candidaturas avulsas, para diversos cargos nas eleições de 2022, todas elas desvinculadas de legendas partidárias, são anunciadas aqui e ali, sem muito alarde e mesmo sem muito apoio da mídia tradicional. O fato é que existe uma forte vontade latente em muitos nichos da sociedade brasileira para que candidatos desvinculados de partidos políticos se lancem nas disputas.
As razões que levam a iniciativas isoladas desse tipo são inúmeras, e todas elas consistentes e racionais. Dado o grau de degeneração que tomou conta das legendas nacionais, todas elas transformadas em empresas, com patrões e donos, todos eles peritos profissionais em obter vantagens do erário público, fica fácil entender as razões que levam postulantes a se lançarem em campanhas de modo solo. Ainda que essa possibilidade seja vedada pelo ordenamento jurídico do Tribunal Superior Eleitoral, em consonância com o que espertamente decidiu o próprio Congresso por meio da Lei nº 13.488/2017, atraindo essa matéria diretamente para uma espécie de monopólio odioso dos partidos, há, de fato, um anseio dos eleitores por mudanças desse modelo.
Mesmo que o cidadão comum já comece a desconfiar de que em uma democracia na qual cabe apenas aos seus proprietários o direito de indicar quem eles querem, principalmente dentro do Legislativo e do Executivo, não pode ser grande coisa. As crises cíclicas provam que a população tem razão em desconfiar desse modelo. Ainda que tenha se transformado em ponto passivo para as instituições do Estado, essa questão está longe de ser consenso para o grosso da população.
Sem uma reforma partidária que acabe com o monopólio dos partidos sobre todo o processo eleitoral, o que se tem é um modelo pré-fabricado que não atende ao cidadão e, muito menos, ao Estado Democrático de Direito, conforme desenhado pela Constituição de 1988. A questão é saber até quando um modelo como esse que aí está, irrigado com cada vez mais dinheiro público, irá funcionar sem antes levar a um esgarçamento violento entre a população e as instituições.
Outro ponto tão importante quanto a libertação dos candidatos do monopólio interesseiro dos partidos diz respeito ao próprio enxugamento do número de legendas, reduzindo as mais de três dezenas de agremiações, que nem programas partidários consistentes apresentam, em apenas quatro ou cinco siglas com assento no Congresso. Nas próximas eleições, que já fervilham nos bastidores, muito antes da largada oficial, o que se verifica é a formação de verdadeiras aglutinações ou federações de partidos, concentrando legendas tanto da direita quanto da esquerda e de centro, cada grupo empenhado numa candidatura específica.
Se tal fenômeno pode ocorrer em tempos de eleição, pode ocorrer também fora delas, o que prova a tese de que enxugar o número dos partidos, para quatro ou cinco é não só possível como viável. O que os eleitores desejam é um Congresso com poucos partidos, todos eles com clareza ideológica e programática, capaz de possuir uma genuína ligação com os cidadãos, de preferência turbinado com recursos oriundos dos próprios filiados.
O que o eleitor anseia, há décadas, são legendas representadas por indivíduos probos e, portanto, isentos de processo por corrupção e outros malfeitos. As atuais federações de partidos, que hoje se organizam para as eleições de 2022, poderiam, se houvesse alguma racionalidade e vontade de aperfeiçoamento de nossa democracia, constituir-se em partidos políticos permanentes dentro do Parlamento, reunindo forças da direita, esquerda, centro-direita e centro-esquerda, num esquema partidário moderno e totalmente voltado para a defesa do bem público.
Enquanto a população permitir que as atividades política e empresarial sejam a mesma coisa, com políticos aparecendo rotineiramente nas páginas policiais, o nosso modelo de democracia permanecerá como está, confeccionado para o enriquecimento de grupos, dentro e fora da máquina do Estado, obrigando o eleitor a bancar um esquema viciado e corrompido desde a origem e que passa longe de qualquer coisa que se assemelhe a uma verdadeira democracia.
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