A política ambiental do país, que já está em frangalhos, corre o risco de ser jogada de vez no lixo se o Senado aprovar nesta semana o que os parlamentares chamam de "novo marco de regularização fundiária". Na verdade, os projetos de lei 2.633/2020, que aumenta o tamanho das terras da União passíveis de regularização sem vistoria prévia, e 510/2021, que amplia o prazo para dar legalidade a áreas invadidas, são um incentivo escancarado à grilagem. Os senadores que primam pelo bom senso não podem endossar esse crime.
A votação desses projetos de lei, prevista para esta quarta-feira, vem pouco depois de o Brasil assumir importantes compromissos na COP26. Toda a promessa de reduzir significativamente a emissão de carbono será enterrada por invasões e mais desmatamentos. As propostas que serão analisadas no Senado, na verdade, vêm no sentido de reforçar todo o desmonte da área ambiental. Com o atual governo, ficou barato grilar terras, tanto que não há mais fronteiras para os criminosos. Eles tomam de assalto áreas de proteção e de reservas indígenas certos de que não serão expulsos. Pelo contrário, terão as bençãos para tornar tudo legal, pois, de tempos em tempos, mudanças na legislação vão favorecê-los.
É imperioso ressaltar que, em 2021, o Brasil registrou a maior taxa de desmatamento anual dos últimos 15 anos. Isso quer dizer que 13.235 km² de floresta foram devastados em apenas 12 meses. Portanto, não há nada que justifique tamanho retrocesso na legislação. Não há como acreditar no argumento dos que defendem o projeto de lei 2.633/2020, de que a regularização sem vistoria prévia impedirá fraudes. No entender de especialistas, nem mesmo num mundo ideal, com um sistema de fiscalização robusto, seria possível garantir a integridade das declarações de grileiros.
No caso do projeto de lei 510/2021, já existe um limite para se dar regularidade a terras invadidas: 22 de julho de 2008. A proposta que está com os senadores prevê anistia a grileiros até 2017. Ou seja, estará se premiando quem continuou praticando crimes. Um absurdo completo. O governo, por sinal, já mostrou que, da forma como está hoje, a legislação funciona e protege, sobretudo, os pequenos produtores, que não são devastadores. O próprio presidente Jair Bolsonaro distribuiu uma série de títulos de terra no Pará. Abrir a porteira agora premiará invasores contumazes, além de ampliar os prejuízos para a União, pois o que se está roubando é patrimônio público.
Quem acompanha o dia a dia das questões ambientais temem que uma área equivalente a 1,43 milhão de km² (a 29% da Amazônia), sem informação de destinação fundiária, se transforme no principal alvo da grilagem, resultando em mais conflitos fundiários e afastando investimentos de qualidade para o desenvolvimento na região. Um país que se diz sério, que já liderou o debate ambiental no mundo, não pode escancarar as porteiras de vez. A despeito de todo o retrocesso e das tentativas contínuas de se premiar os desmatadores, o Congresso tem instrumentos para recolocar o Brasil nos eixos. Basta não se render aos lobbies que têm no Palácio do Planalto sua maior fonte de reverberação.
A sociedade não pode se calar diante de tanto descalabro. Parte dos senadores que votarão as propostas que legalizam o roubo de terra pública e dão licença para desmatar terá de enfrentar as urnas no próximo ano. A resposta mais contundente que se poderá dar é não garantir um novo mandato aos parlamentares, independentemente dos cargos aos quais concorrerem. O meio ambiente é um patrimônio de todos. O resultado do descuido dos últimos anos com ele está aí: eventos climáticos extremos cada vez mais presentes, com destruição e mortes. Felizmente, ainda há tempo para agir. A começar pelo Senado dizendo não aos projetos de lei 2.633/2020 e 510/2021.
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