ALMIR PAZZIANOTTO PINTO - Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Empoderar, neologismo não dicionarizado, significa ação destinada a adquirir domínio sobre a própria vida. A imagem da mulher como personagem submissa, cuja missão se reduz a ajudar o homem, persistiu durante séculos. São Paulo, o apóstolo que levou o cristianismo a Roma, escreveu: "Que as mulheres aprendam em silêncio e com toda humildade. Proíbo que ensinem ou tenham autoridade sobre os homens; elas devem ficar caladas. Porque Adão foi criado primeiro e Eva depois" (Timoteo I, 2:11).
O Corão sagrado prescreve normas rigorosas sobre a condição da mulher. "As mulheres muçulmanas são obrigadas a admitir que têm funções distintas dos homens, em quase todas as questões e que devem obediência, em primeiro lugar aos pais e depois aos maridos, salvo se lhe pedirem que façam algo que se constituiria em infração da shari'a" (Que es el islamismo, Chris Horrie, Alianza Editorial, Madri, 1990, pág. 87).
Deixemos em paz a Bíblia e o Corão. Voltemos os olhos para o Brasil. O art. 6º, II, do Código Civil de 1916, escrito sob as diretrizes da Constituição de 1891, refletia a condição jurídica da mulher casada, declarando-a incapaz relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer. Eram equiparadas aos pródigos e silvícolas.
O direito da mulher se alistar e votar foi reconhecido em 1932 pelo Decreto nº 21.076, baixado pelo chefe do Governo Provisório Getúlio Vargas (Código Eleitoral) e na Constituição promulgada em 18/9/1946, cujo art. 131 dizia: "São eleitores os brasileiros maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei".
A primeira mulher a se registrar eleitora foi Celina Guimarães Vieira, em 25/11/1927, no Rio Grande do Norte. Nas eleições à Constituinte de 1933, elegeram-se a médica Carlota Pereira de Queiroz e a datilógrafa Almerinda Faria Gama.
A luta por igualdade deu passo decisivo com a sanção do Estatuto da Mulher Casada, Lei nº 4.121, de 27/8/1962, na vigência da Constituição de 1946. Em 28/6/1977, sob a Constituição de 1967, o senador Nelson Carneiro conseguiu fazer aprovar a Emenda nº 9, para tornar permitido o divórcio.
A CLT encampou o pensamento retrógrado da primeira metade do século passado. Relembro a proibição do trabalho noturno, art. 379, e a possibilidade de o pai ou o marido "pleitearem a rescisão do contrato de trabalho, quando a sua continuação for suscetível de acarretar ameaças aos vínculos da família, perigo manifesto às condições peculiares da mulher ou prejuízo de ordem física ou moral para o menor".
O art. 5º, I, da Constituição de 1988 afastou as últimas dúvidas sobre a plena igualdade de direitos entre homens e mulheres. A saudável politização feminina conferiu relevo à presença de mulheres nos órgãos do Poder Judiciário. Está presente, também, nas casas legislativas federais, estaduais e municipais. O mesmo ocorre no Poder Executivo, onde já tivemos uma presidenta da República e poderemos ter outra em 2022.
No Poder Legislativo, a mulher registra atuação ascendente. Entre 1950 e 1954, tivemos na Câmara dos Deputados uma única deputada federal, Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio Vargas. A elaboração da Constituição de 1988 contou com a participação de 26 mulheres [APP1], entre 559 deputados.
A atual legislatura exibe a maior bancada feminista da história do Poder Legislativo, São 12 senadoras e 51 deputadas federais. No Senado, as mulheres ocupam 14,8% das cadeiras; na Câmara dos Deputados, porém, menos de 10%.
A Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, foi aprovada com o propósito de fortalecer o combate ao feminicídio e a outras formas de violência masculina. Apesar, porém, da evolução, milhares de mulheres ainda são alvo do machismo de maridos, companheiros, ou apenas conhecidos.
Encerrarei com o registro de nome quase esquecido: Almerinda Faria Gama (1899-1999), negra, de família humilde, datilógrafa, sindicalista, advogada, eleita deputada para a Assembleia Constituinte de 1933. Fundou o Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos do Rio de Janeiro e participou, com Bertha Lutz, da criação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino,
Machismo é erva milenar, venenosa, cruel, difícil de ser erradicada. Extirpá-la é tarefa para mulheres e homens de todas as camadas sociais e culturais. É impossível afirmar que o Estado de Direito é democrático, enquanto persistirem discriminações, preconceitos e exclusões.
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