NELSON MUSSOLINI- Presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde
Neste fim de ano, a Câmara dos Deputados quer, definitivamente, acabar com a saúde dos brasileiros, mexendo com o bolso das famílias e prejudicando o acesso da população aos medicamentos. E pretende fazer isso distorcendo e pegando carona num projeto de lei de inegável alcance social. Trata-se de mais um "jabuti" que deputados querem perpetrar.
O projeto de lei meritório (PL 5149/2020), de autoria da senadora Mara Gabrilli, altera a Lei no 8.989/1995, para prorrogar a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de automóveis para utilização no transporte autônomo de passageiros, bem como por pessoas com deficiência. Merece aplausos.
Já o contrabando legislativo estende a isenção para deficientes auditivos e atrela o financiamento desse novo "benefício" ao fim de isenções fiscais que contemplam medicamentos essenciais e de uso contínuo para o tratamento de doenças de larga incidência, como câncer, hipertensão, aids, doenças cardíacas, diabetes, antibióticos, anti-inflamatórios e medicamentos contra hepatite, alergias, próstata, artrite.
São 68% dos medicamentos com tarja vermelha, oferecidos gratuitamente a toda a população brasileira pelo Sistema Único de Saúde e pelo Programa Aqui Tem Farmácia Popular ou fornecidos a preços baixos em hospitais, clínicas e farmácias particulares ou comprados pela população. Ou seja: a pretexto de contribuir para a melhoria da mobilidade de pessoas com problemas auditivos — iniciativa relevante, reafirme-se —, a Câmara dos Deputados aprovou, por acordo de lideranças, um verdadeiro atentado à saúde pública, com o apoio de todos os partidos (à exceção do Novo), inclusive daqueles que se proclamam defensores do SUS.
Assim, repetem os nobres deputados, o mesmo absurdo do PL 2337/2021, a segunda fase do "remendo tributário" apresentado pelo governo, que altera as regras do Imposto de Renda e estabelece como contrapartida o fim de isenções de PIS-Cofins dos medicamentos. A aparente falta de consideração, o aparente descaso com que os parlamentares de nosso país lidam com questões sensíveis e fundamentais para a sociedade brasileira é chocante, para dizer o mínimo.
Será que os líderes partidários ignoram que seu jabuti acarreta aumento de 12% no preço ao consumidor de mais de 18 mil produtos farmacêuticos e também onera o SUS em mais de 18%, na média, pela cobrança de ICMS, pois alguns convênios vinculam a isenção de ICMS ao benefício federal de isenção do PIS-Cofins? Será que ignoram que, na prática, esse contrabando legislativo aumenta a indecente carga tributária dos medicamentos, que já é de 32% no preço final ao consumidor, sendo que a média mundial é de 6%?
Em vez de retirar recursos da saúde, a Câmara deveria, isto sim, discutir projetos que elevem os investimentos na assistência farmacêutica, mediante, por exemplo, estímulos a programas que fornecem produtos gratuitos para as principais doenças crônicas. Essa ação permitiria atingir pelo menos dois objetivos socialmente relevantes: ampliar o acesso da população aos medicamentos essenciais e, ao mesmo tempo, tornar mais eficiente o uso do dinheiro público — proveniente, ressalte-se, da alta carga tributária que a população é obrigada a pagar.
Lembre-se de que estudo realizado pelo Sindusfarma, baseado no cruzamento de dados de consumo de medicamentos e hospitalização, revelou que, ao ampliar a oferta gratuita de medicamentos para hipertensão arterial e diabetes, o Ministério da Saúde obteve uma redução significativa das internações nos hospitais convencionados ao SUS. A relação favorável de custo-efetividade ficou evidente. O governo conseguiu tirar máximo proveito da dotação disponível, gastando um pouco mais com medicamentos e liberando verbas e leitos hospitalares para tratar pacientes portadores de outras doenças.
O país precisa de iniciativas consistentes e de largo alcance como essas e não de emendas que adulteram o sentido original de projetos bem-intencionados. Portanto, os senadores precisam, mais uma vez, corrigir esse erro grosseiro de seus colegas da Câmara dos Deputados. O Congresso Nacional não pode deixar que se concretize o ataque irracional ao SUS e ao bem-estar dos brasileiros embutido no PL 5149/2020. Do contrário, será forçoso concluir: triste e infeliz a população de um país no qual os políticos eleitos para representá-la acreditam que benefícios para a compra de carros são mais importantes que a saúde dos cidadãos.
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