JOSÉ PASTORE - Professor de relações de trabalho da Universidade de São Paulo. É Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP. É membro da Academia Paulista de Letras
Há vários anos, os enfermeiros pleiteiam uma elevação e uma unificação nacional do seu piso salarial. Em reunião relâmpago e com voto simbólico, o Senado Federal aprovou na semana passada o Projeto de Lei 2.564/2020, que fixa um piso nacional de R$ 4.750 mensais, quando a média salarial da categoria está em torno de R$ 3.000.
Do ponto de vista social e humano, isso tem amparo total. Trata-se de profissão que exige dedicação diuturna e atenção extrema a cada minuto do seu trabalho. Nada mais justo do que gratificar adequadamente quem se doa para curar e salvar o próximo.
Ocorre que uma elevação abrupta do piso salarial por lei repercutirá de maneira dramática na economia das instituições de saúde, pois, nelas, o peso do fator trabalho nas despesas gerais é enorme. Usando estimativas conservadoras da Associação Nacional dos Hospitais Privados, os hospitais públicos teriam um aumento dos gastos da ordem de R$ 6,4 bilhões e os particulares, de R$ 12 bilhões por ano.
Está aí mais um doloroso dilema. Os hospitais públicos não dispõem de orçamento para enfrentar uma despesa tão gigantesca, o que deveria ter sido observado pelos senhores senadores que têm a responsabilidade de indicar as fontes de custeio para dispêndios adicionais. Os hospitais privados não têm condições de repassar tais despesas aos planos de saúde ou aos pacientes em vista do grave desemprego e da alta informalidade.
Só para ilustrar, o piso aprovado seria maior do que o salário médio dos enfermeiros de vários estados em mais de 50%. Em Minas Gerais, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Piauí, ultrapassaria os 60%. No Amapá, em Rondônia e no Sergipe, quase 80%. E em Roraima, Pernambuco, Acre e Paraíba, mais de 100%.
Essa é a triste realidade. Para os hospitais públicos e privados, é inviável honrar um aumento abrupto de 60% em média na folha de salários dos enfermeiros. Sem dizer que isso terá repercussões também para as clínicas, ambulatórios e laboratórios, ou seja, para todo o sistema de saúde do Brasil.
Voltando ao ponto inicial, os enfermeiros merecem mais do que isso. Mas estamos no momento em que as instituições de saúde enfrentam graves problemas com o forte aumento de energia, medicamentos, vacinas, equipamentos etc. Nos hospitais privados, o acréscimo de custo levará muitos a encerrar suas atividades, com um grave prejuízo à população, lembrando que, nos últimos 10 anos, houve uma redução de 40 mil leitos privados. As Santas Casas, igualmente, enfrentam dificuldades imensas para continuar de portas abertas e atender os mais vulneráveis. Se, eventualmente, se reduzir a jornada, o impacto será catastrófico.
Do ponto de vista trabalhista, os pisos salariais são mais bem acertados por meio das negociações coletivas que permitem fazer ajustes em função das peculiaridades das várias situações de trabalho. O Brasil é muito heterogêneo. O que é viável em um município pode não ser em outro. A negociação coletiva tem a vantagem de atender as especificidades das categorias profissionais e das instituições de saúde, o que é impossível fazer por meio de uma regra rígida e fixada por lei para todo o território nacional.
A Constituição Federal tem um princípio sábio quando estabelece que "o piso salarial deve ser proporcional à extensão e à complexidade do trabalho" (art. 7º, Inciso V). Para atender esse princípio e respeitar as particularidades de cada situação econômica, nada melhor do que a negociação coletiva.
Por isso tudo, penso que o assunto merece conduta serena e análise objetiva por parte dos deputados federais que, agora, têm a responsabilidade de dar sua opinião final. Convém submeter o tema à análise das comissões de economia e finanças que costumam basear seus pareceres na análise da realidade.
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