Há de se ressaltar a importância de o índice de desemprego estar em queda desde a primeira metade do ano, mas o mercado de trabalho ainda está muito longe de ser motivo de alívio. E motivos não faltam. Primeiro: o total de pessoas sem emprego chega a 13,5 milhões — é mais do que a população inteira de Portugal.
Segundo: o indicador que mede a desocupação recuou graças, sobretudo, à volta dos informais ao mercado. Terceiro: a renda real média do trabalho é a menor desde 2012, início da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Minguados R$ 2.459.
Vários fatores podem explicar esse quadro dramático do mercado de trabalho, a começar pela enorme dificuldade do país em retomar o crescimento econômico sustentado. Não há como se falar em criação de empregos com o Brasil patinando. Depois de pesada recessão de 2015 e 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) esboçou ligeira reação.
Apostou-se que, com a prometida agenda liberal do ministro Paulo Guedes — que se mostrou um engodo —, o ritmo da atividade ganharia tração. Veio a pandemia do novo coronavírus, e o tombo da produção e do consumo foi inevitável. Em 2021, o PIB recuperará parte dessas perdas. Contudo, para o ano que vem, já se fala em queda de até 0,7%. Um desastre, se confirmado essa baixa.
A fraqueza da economia se junta, agora, a um movimento inflacionário assustador. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está acima de 10% no acumulado de 12 meses. E não cairá tão cedo. Ou seja, o rendimento médio do trabalho continuará a ser corroído. Com os salários perdendo força, o consumo das famílias, uma das principais alavancas do PIB, recuará.
É o que os economistas chamam de círculo vicioso. Não bastasse tudo isso, mesmo que o país venha a criar empregos nos próximos meses, as vagas serão de péssima qualidade e de baixa remuneração. A mão de obra disponível, em sua maioria, é ruim, devido ao defasado sistema educacional. Tanto que a produtividade do trabalho está estagnada há três décadas.
Em meio a essa realidade cruel, descobriu-se que o governo maquiou os números de 2020 do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O país, ao contrário do que informou o Ministério da Economia, não teve saldo positivo em postos com carteira assinada. Na verdade, as empresas fecharam mais vagas do que abriram.
Num primeiro momento, a pasta de Paulo Guedes disse que o Caged tinha contabilizado 142,6 mil contratações a mais do que demissões no ano passado. Depois, admitiu que havia errado na conta, e que o saldo verdadeiro era de 75,9 mil empregos. Agora, sabe-se que o Brasil fechou 192 mil postos.
Tal informação desmonta o argumento do presidente Jair Bolsonaro de que, mesmo com a pandemia, o país abriu, em 2020, mais postos com carteira assinada do que fechou. Pior: alimenta a desconfiança em relação aos números deste ano, que apontam para saldo positivo acumulado de mais de 2 milhões de vagas.
Não é com esse tipo de pedalada que o governo obterá apoio à tese de que tudo está indo bem e que só os inimigos não veem a recuperação da economia e a melhora do mercado de trabalho. O que o país precisa é de políticas econômicas consistentes e de dados transparentes. Tentar maquiar a verdade é inaceitável. Um governo caiu por afrontar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Que se aprenda a lição.
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