Opinião

Armando Castelar: 'eleições e âncora fiscal'

Por ARMANDO CASTELAR - Professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador associado do IBRE/FGV

Eleições podem ancorar ou desancorar os preços de ativos, a confiança de empresas e consumidores e os indicadores econômicos em geral. Em 2018, por exemplo, a expectativa de que o novo governo fizesse reformas econômicas amplas, a começar pela da Previdência Social, ajudou o desempenho da economia, apesar da greve dos caminhoneiros, da escalada do dólar e do aperto monetário nos Estados Unidos. O exemplo oposto é a eleição de 2002, quando o receio de ruptura em um governo Lula levou a inflação a 12,5%.

A desancoragem, desta vez, veio antes, com a decisão de enfraquecer o teto de gastos e dar um calote parcial nos precatórios. A mudança na regra do teto, para elevar o seu valor, abalou sua credibilidade. Infelizmente, isso levará a uma piora do desempenho econômico. A tendência é entrarmos em um período de (i) inflação alta, fechando 2021 em 10,5% e 2022 perto de 6%, nos dois casos bem acima da meta; (ii) taxa Selic de dois dígitos, talvez acima de 12% em março; (iii) atividade econômica estagnada, com o PIB per capita caindo em 2022; e (v) desemprego e informalidade elevados.

A taxa de juros mais alta e o crescimento mais lento vão gerar uma dinâmica preocupante para a dívida pública, que subirá à frente do PIB em 2022. Um quadro que se complica com o cenário externo do dólar mais valorizado e taxa de juros americana subindo mais cedo do que se previa.

Difícil acreditar que a classe política não soubesse disso quando decidiu enfraquecer a regra do teto. E que não considerasse que, como a história ensina, inflação e desemprego elevados não ajudam a popularidade de quem está no poder. Por que então ir por aí?

Há duas possíveis explicações. Uma, que é uma aposta em que o benefício eleitoral das maiores transferências de renda e dos gastos com emendas parlamentares virão na hora certa, enquanto a deterioração econômica só será devidamente constatada após as eleições, quando se divulgarem os resultados do PIB e do emprego. Outra possível razão é que, como apontam alguns analistas, essa estratégia não interessa ao presidente, mas sim ao grupo de parlamentares que dá as cartas no Congresso. Isso, pois estes seriam menos responsabilizados pela deterioração macroeconômica, enquanto, por outro lado, se beneficiariam mais do aumento de gastos.

Em esta hipótese estando correta, há que se reconhecer a chance, não trivial, de pioras adicionais na política econômica. Há perigo de interferência na política de preços da Petrobras e nas tarifas do setor elétrico, para limitar a inflação até as eleições. O mesmo com os tributos incidentes sobre alguns bens e serviços. A pressão sobre o BC também será grande, para interferir no câmbio e limitar a alta da taxa Selic, por conta de seus impactos sobre a atividade, mas também para ajudar na narrativa de exagero nas críticas às mudanças no teto de gastos. Novos gastos e furos no teto podem vir.

Apesar disso, em condições normais, as eleições ajudariam a ancorar expectativas, com a visão de que, depois de um 2022 difícil, em 2023 o governo eleito em outubro adotaria medidas duras de ajuste fiscal. Seria a repetição do padrão histórico, de agir quando se chega perto do abismo, aproveitando ser o primeiro ano de governo para, com a credibilidade trazida pelas urnas e a distância de novas eleições, adotar medidas impopulares.

Mas será essa uma expectativa razoável no quadro atual? A perda de controle pelo presidente da agenda congressual, em especial na área econômica, torna improvável que, em um segundo mandato, se retorne à agenda prometida no início do governo. Por outro lado, o candidato líder nas pesquisas já avisou que não irá manter o teto de gastos, promessa que ficou mais fácil de cumprir com a regra sendo flexibilizada pela atual administração.

O fato de as eleições não servirem de âncora, em um quadro já complicado, adicionar um elemento extra de risco, que pesará sobre preços de ativos e outros indicadores econômicos. Esse efeito tende a ficar mais claro a partir do segundo trimestre, quando o debate eleitoral ganhará força. O único cenário positivo é se algum dos candidatos com chance de se eleger comece a dar confiança de que, se eleito, buscará restabelecer alguma âncora fiscal crível, que limite a expansão da dívida pública. Ou seja, uma mudança de discurso ou a ascensão de um novo candidato identificado com propostas nessa linha.

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