Aprovada por meio da emenda constitucional 16 de 1997 (PEC16/97), o instituto da reeleição para cargos no Poder Executivo, principalmente para presidente da República, já nasceu torto e eivado de denúncias de compra de votos para sua aprovação. Foi um erro estratégico do então presidente Fernando Henrique, pressionado pelas circunstâncias políticas daquele período tumultuado de nossa história e que trariam desdobramentos imprevisíveis e bastante nefastos dali em diante. O próprio FHC, num gesto pouco comum aos nossos políticos, fez um mea culpa sincero, de que essa medida foi "um erro", embora confesse ainda acreditar que quatro anos é pouco tempo para um governante fazer algo consistente e completo.
De toda forma, o ex-presidente gostaria que o instituto da reeleição acabasse o quanto antes, com o país adotando um modelo do tipo distrital e mais democrático. Hoje, não resta a menor dúvida de que a reeleição para todos esses cargos do Executivo tem produzido males tremendos para o país, tornando o primeiro mandato apenas uma prévia do que serão as próximas eleições, transformando os ocupantes desses cargos em eternos candidatos, que não se vexam em usar da máquina pública para obter novos mandatos ou para fazer seus sucessores, mesmo que isso leve a quebra das finanças em seus domínios.
A reeleição produziu ainda distorções tão profundas em nosso modelo de gestão pública que acabou por atingir a própria qualidade de nossa democracia, criando clãs que se revezam no poder às custas do erário, elevando também à alturas infinitas o fisiologismo dentro do Congresso.
Com o desmanche promovido agora pelos políticos, na Lei de Improbidade Administrativa e no estouro do teto de gastos, o vale tudo para os candidatos à reeleição está escancarado, já que as contas públicas de cada gestão municipal, estadual e federal serão empurradas indefinidamente para frente, recaindo os débitos e todo o descontrole nas costas dos contribuintes, quer na forma de recessão, quer no aumento do custo de vida.
O calote na dívidas pública do governo teve início agora com votação que aprovou na Câmara a PEC dos Precatórios que pode furar o teto de gastos em mais de R$ 100 bilhões, num arranjo justamente com vistas às próximas eleições, já que todo esse desmanche foi providenciado para garantir recursos a um programa social eminentemente eleitoreiro denominado Auxílio Brasil, com o qual o atual governo repete as malévolas fórmulas do passado, semelhante ao voto do cabresto, adoçando a boca daqueles que irão as urnas em 2022.
Vale aqui repetir a advertência feita em 1816 pelo naturalista Auguste de Saint-Hilaire: "Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil", substituindo o sujeito "saúva" da sentença pelo termo "reeleição". De fato, colocados num caminhão gigante, nossos políticos muito se assemelham às saúvas, sendo que a proximidade das eleições os torna ainda mais parecidos pela agitação que se vê nesse formigueiro que come o Brasil pelas beiradas, dia e noite, sem parar.