Por Jurema Werneck - Diretora executiva da Anistia Internacional Brasil
Nós já havíamos perdido 400 mil vidas para a covid-19 quando, por força de decisão judicial, a CPI da Pandemia foi oficialmente instalada no Senado Federal, em abril deste ano. Seis meses e mais de 200 mil óbitos depois, o relatório com mais de mil páginas e 80 indiciamentos de autoridades, empresários e funcionários públicos, entre outras pessoas, foi aprovado. Entre a abertura e o encerramento, foram apresentados indícios robustos de negligências, negociatas, além do sofrimento de brasileiras e brasileiros retratado em números e depoimentos de vítimas e familiares. Relatos de um profundo descaso com a vida humana se transformaram em denúncias de cometimento de crimes por parte de quem tem a obrigação de proteger a vida e a saúde da população, como o presidente Jair Bolsonaro, o ex e o atual ministro da Saúde, Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga, respectivamente.
Quantos casos teriam um desfecho diferente se as recomendações da Organização Mundial de Saúde tivessem sido adotadas? Quantas vidas teriam sido salvas se o governo federal valorizasse e investisse todo o recurso destinado ao combate da crise de saúde, e não apenas 1/3 do montante? Quantas mortes poderiam ter sido evitadas se o Sistema Único de Saúde (SUS) tivesse recebido todos os recursos necessários para atender os diferentes níveis de complexidade da doença? A gravidade dos atos e omissões retratados nesses seis meses de trabalho de senadoras e senadores, a magnitude de nossas perdas e o nosso compromisso com o futuro nos convocam a agir.
E nós, da sociedade civil, desde o princípio da crise sanitária, assumimos nossa responsabilidade de fazer todo o possível para proteger a vida de nossos semelhantes, nos colocando na linha de frente da ação emergencial. Compartilhamos máscaras, água, oxigênio, alimentos e solidariedade, ao mesmo tempo em que pressionamos autoridades para que cumpram o seu dever. Monitoramos as ações das autoridades públicas, produzimos estudos e alertas, levamos informações à CPI que comprovaram a triste percepção de que poderíamos ter preservado mais vidas, que mortes poderiam ter sido evitadas.
A campanha Omissão Não é Política Pública é fruto da parceria entre Anistia Internacional Brasil, Oxfam Brasil, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Criola, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Terra de Direitos, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Movimento Nacional de Direitos Humanos, Observatório das Metrópoles, Olodum, Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais (Resama), Justiça Global, Cedeca, Engajamundo, Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune-MT), Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (Abmmd), Grupo de Apoio Voluntário, e Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico Brasil).
É mais uma iniciativa que busca fazer com que autoridades públicas, cumprindo suas obrigações, atuem para o país dar mais um passo para a superação desta tragédia e de suas sequelas físicas, mentais, materiais e políticas. Mais de 34 mil pessoas se juntam a nós para exigir que o procurador-geral da República, Augusto Aras, não contribua com mais omissões e dê os passos necessários para a responsabilização de todas e todos apontados no relatório final da Comissão.
Era possível fazer diferente. Vidas poderiam ter sido salvas se autoridades públicas tivessem escolhido agir em tempo e com os recursos necessários para proteger a todas e todos, sem discriminação. Nosso pedido sempre foi simples e direto: que o Estado brasileiro (governo federal e Procuradoria Geral da República incluídos) cumpra seu papel de assegurar direitos fundamentais para a população toda. Agora, que tantas mortes já aconteceram, que tantos direitos foram desrespeitados e que tantos desafios ainda se colocam em nosso horizonte, exigimos que justiça e reparação sejam feitas, com celeridade. Repetimos nosso alerta: mortes evitáveis, têm culpas atribuíveis. Por nós, por todos que perdemos, por esse luto que precisa alcançar alívio, por nós que sobrevivemos e por este país que precisa aprender a lição e não permitir que isso se repita, seguiremos lutando.