Era um final de tarde de uma sexta chuvosa, daquelas que convida a sair mais cedo da firma e se aninhar debaixo de um cobertor quentinho. Mas, como tantas vezes acontece numa redação de jornal, a tormenta de uma notícia ruim chega abrindo violentamente crateras, inclusive no peito.
Como assim Marília Mendonça morreu? 26 anos... filho bebê... carreira linda... sucesso estrondoso... tanto talento... tantos fãs... tanta vida para viver... tanta gente para alegrar com sua música.
Na queda do avião, na região de Caratinga (MG), também morreram o produtor Henrique Ribeiro; o tio e assessor da cantora, Abicieli Silveira Dias Filho; o piloto Geraldo Medeiros e o copiloto Tarciso Pessoa Viana. E morreu também mais um bocado da alegria do Brasil.
O Brasil está triste, muito triste. Quando se perde um artista — e foram tantos e tão importantes nos últimos tempos —, perde-se riso, poesia, som, ritmo, voz, carisma, exemplo, alegria. Perde-se o passo, o caminho...
Marília, mulherão da porra, como se diz. Marília, uma força impressionante da cultura brasileira: 22 milhões de inscritos no YouTube, músicas com 500 milhões de visualizações no canal e 90 milhões de plays no Spotify; 39 milhões de seguidores no Instagram, 15 milhões no Facebook, 7,8 milhões no Twitter. No palco, ainda muito maior.
Rapidamente, tornou-se a cantora mais tocada, mais adorada pelos fãs. Reconhecida e exaltada por anônimos e famosos; ontem, pelo mundo inteiro. Parceiras de muitos, inclusive com estilos musicais tão diferentes do dela. Caetano, Gal, Anitta, tantos mais...
Marília, a nossa rainha da sofrência, a mulher que abriu novos caminhos e ampliou o olhar sobre o sertanejo fez escola e história, uma bonita história. Fundou o chamado feminejo, exaltando o poder feminino. A mulher dos versos de redenção e contundência — "Pus as malas lá fora e ele ainda saiu chorando"/ "Não perdi nada; acabei de me livrar" — como os de Infiel, que a fez estourar.
Compositora das histórias reais, cancioneira popular, intérprete, com aquele vozeirão grave, Marília falou para o nosso coração, contou das nossas dores e exaltou o nosso poder. Foi lindo vê-la crescer, brilhar e manter o jeito simples, até tímido, ela dizia. Marília foi e sempre será patroa. Senhora de si. Que Deus nos dê forças e console sua família e amigos.
O padre Fábio de Melo sintetizou o sentimento que nos acompanha em seu tweet: "Não é só uma voz que se cala; é uma filha que se foi, é uma mãe que não volta. Quantos morrem naquele que morre? Com você, Marília, morreu uma multidão".