O financiamento de um Auxílio Brasil suscitou preocupações fiscais desde cedo, refletidas na sugestão inicial do Ministério da Economia de financiá-lo extinguindo o abono salarial, o que foi, liminarmente, rejeitado pelo presidente. A preferência por se criar um novo programa ao invés de construir sobre os alicerces do Bolsa Família criou a percepção da necessidade de receitas permanentes novas para não afrontar a LRF, o que levou à tentativa frustrada de tributação dos dividendos.
A preocupação do novo programa caber no teto do gasto estabelecido pela Emenda Constitucional nº 95 não era grande inicialmente, pela expectativa de que a queda da inflação em 2021 criaria uma folga no orçamento de 2022 em que o Auxílio Brasil se encaixaria. Infelizmente, a inflação alta persistiu, o que desencadeou uma busca de soluções fora do teto.
A comunicação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que os precatórios a serem pagos em 2022 somavam R$ 89 bilhões e não os R$ 50 bilhões previstos pelo governo intensificou aquela busca, estimulando o governo a aproveitar eventual brecha para criar um complemento temporário ao novel Auxílio Brasil. O resultado foi a PEC 23, que também permitia garantir recursos novos para emendas no Orçamento de 2022.
A PEC, atualmente, prevê a limitação dos precatórios a serem pagos em 2022, deixando cerca de R$ 50 bilhões para anos seguintes, e uma mudança do cálculo do teto. Essa mudança tornou a inflação aliada da expansão fiscal, abrindo R$ 67 bilhões para novos gastos. Com isso, foram acomodadas a extensão da desoneração da folha e uma lista de despesas novas e não relacionadas à covid.
A PEC causou preocupação pela facilidade de se contornar o Teto e por poder gerar grande acúmulo de precatórios não pagos. Se a inflação de 2022 for 5%, só caberiam R$ 45 bilhões de precatórios no Teto em 2032, o que não cobriria sequer os restos de 2022. As inovações para facilitar a monetização dos precatórios fora do teto também pode trazer apreensão. As preocupações com os efeitos da PEC se traduziram na queda de 15% da bolsa e quase 10% de subida do dólar desde agosto.
E se a PEC não for aprovada no Senado? Nesse caso, o governo ainda tem alternativas para atender as necessidades urgentes dos mais vulneráveis diante de um resultado inesperado. Sem ruptura fiscal, ele pode abrir um crédito extraordinário para o pagamento do sucessor do Bolsa Família.
O Congresso poderá amparar a MP com o crédito extraordinário decretando estado de calamidade pública até meados de 2022. Ou simplesmente ignorá-la, como fez com a MP 1044/2021, que abriu espaço para auxílios emergências no começo do ano, sem objeções do TCU. Os benefícios em ambos os casos podem alcançar outros além dos assistidos pelo Bolsa Família, talvez em valor menor que os R$400 almejados pelo governo. Isso facilitaria superar os efeitos da covid, calamitosos para muitos indivíduos enquanto a economia não se restabelecer plenamente.
O custo dessas alternativas à PEC poderia ser de até R$ 40 bilhões fora do teto original, mas traria menor prejuízo fiscal agora e menos problemas em 2023. Esse cenário permitiria, com algum esforço, o pagamento integral dos precatórios, talvez deixando pouco espaço para emendas parlamentares e várias despesas que vêm aparecendo depois da inflação ter se tornado uma aliada da ampliação do gasto. Ele também seria compatível com a melhora do câmbio, o que ajudaria no combate à inflação e daria alento à atividade econômica, sem grande prejuízo à popularidade do governo.
O estado de calamidade pública, se decretado, comporta riscos de derrapagem fiscal. Mas ele poderia mostrar o valor do protocolo desenhado pelo Ministério da Economia em 2021 e incluído com grande custo na EC 109. Esse protocolo inclui algumas restrições a aumentos salariais do funcionalismo da União, estados e municípios. Essa "trava" a um aumento permanente de despesa pode ser oportuna, dada a atual folga de caixa dos entes subnacionais, onde a questão da folha de pagamentos é até mais grave do que na União.
A não aprovação da PEC 23 pode ser uma boa notícia para os mercados, mesmo que traga alguma incerteza no curtíssimo prazo. O governo pode responder à preservação dos atuais dispositivos da Constituição com ações bem delimitadas, protegendo os brasileiros mais vulneráveis e a adimplência da União, fortalecendo a confecção e execução transparente do Orçamento, e também ajudando na urgente tarefa de recuperação da economia.
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