OPINIÃO

O lugar do negro é onde ele quiser

Correio Braziliense
postado em 20/11/2021 06:00

Por JUVENAL ARAÚJO — Subsecretário de Direitos Humanos do Distrito Federal

Mais um 20 de novembro. E desde que comecei a escrever sobre o tema, fico me perguntando o que mudou em 10 anos de criação da Lei nº 12.519. Na verdade, a pergunta é pregressa há mais de um século do fim da escravização do povo negro e ao que todos nós estamos fazendo para viver sem a chaga do racismo.

Para aqueles que insistem em bradar em alto e bom som que ter uma data específica que simboliza a luta e a resistência por direitos dos negros configura insistência, mimimi, choro livre ou vitimismo, observe mais atentamente os fatos a seu redor e considere o aumento significativo em quantidade e gravidade dos casos de discriminações contra negros dentro do nosso país.

Você, leitor caucasiano, o que lhe faz crer ser melhor do que os outros? Essa não é uma resposta que deve ser dada a mim, mas pensada e respondida a sua consciência. "Empretecendo" que consciência humana não existe. O 20 de novembro ainda é necessário porque não haverá progresso enquanto a sociedade insistir em negar, camuflar, dissimular o racismo e reforçar esse mito eugenista de democracia racial, que cria uma harmonia fantasiosa de uma sociedade inexistente sem conflitos por cor. Isso só contribui para a retirada de direitos de 56% da população excluída dos direitos básicos sociais.

Realmente, sente-se confortável em se recusar a admitir tanta atrocidade e interpretar a realidade a partir de sua individualidade privilegiada? Devo lhe alertar que mais cedo ou mais tarde precisará rever essa posição porque não recuaremos, e o que não vai pela ignorância se faz real e possível pela educação.

Somente pela educação antirracista teremos condições mais favoráveis para viver e esperançar por uma sociedade que verse justiça social efetiva e permanente para todos. Aí, então, deixaremos de ser este país limitado pela distância racial, social e de renda, que naturaliza e restringe a existência do negro negativamente associado à marginalidade e a pobreza.

Trabalho difícil, exaustivo e lento. Mas não é impossível de ser feito. Engana-se quem acredita que a luta contra o racismo está em uma só mão. A luta não é só do negro, mas de todos nós. Eduquem seus filhos a respeitar e a não insultar os outros pela cor da pele e eles não serão racistas. Não deduza que um homem negro de terno é segurança, ele pode ser advogado, sociólogo, gestor público, empresário, ou ainda que a mulher negra de tranças é sempre a empregada doméstica, ela pode ser jornalista, médica, professora, psicóloga. O lugar do negro é onde ele quiser ser e estar.

"Ah, mas eu não tenho culpa que o racismo existe. Aconteceu lá atrás e eu não escravizei ninguém." Mas, até hoje, beneficia-se das barbáries ocorridas pelas mãos de seus antepassados. Ultrajes que se seguem até hoje, nas mais variadas formas de retirada de direitos, como quando se diz ser contra as cotas raciais, mas silencia as fraudes no sistema desobedecendo os critérios de autodeclaração étnico-racial; quando a criança de pele clara pode passar o dia estudando nas melhores instituições de ensino do país e a criança negra se vê obrigada a se dividir entre trabalhar e sobreviver ao genocídio de jovens negros periféricos. É esse o tipo de pensamento e atitude que, verdadeiramente, acredita que não tem nada a ver e que racismo não existe no Brasil?

Enquanto você se beneficia do acesso a este conteúdo de informação desse importante meio de comunicação, tem um negro utilizando o mesmo jornal como cobertor. O racismo estruturado age sorrateiramente, materializando injustiças, desigualdades e exclusões de espaços e posições sociais, a partir de nossas características fenotípicas (tipo de cabelo, traços físicos, cor de pele que quanto mais retinta, pior a discriminação), imposto, forçado ecolonizado pela ideia de que o branco deveria ser o único padrão.

Esse mero cidadão que lhe escreve, tem algo mais para te dizer. Nós, negros, somos seres pensantes possuidores de humanidade, beleza e saberes. Foram as nossas civilizações as primeiras em transmissão de conhecimentos, descobertas, invenções e instituições humanas.

Apesar de alguns avanços que validam efeitos positivos para a população afro-brasileira, ainda temos muito que desenvolver e, urgentemente, ampliar a notoriedade das ações afirmativas, oportunidades, acesso a serviços, direitos e políticas públicas capazes de impulsionar mais progresso. Somos, sim, muito diferentes. Mas é você o único responsável pela mudança que todos nós precisamos para um país mais justo e igualitário.

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