OPINIÃO

Edgar Morin, o filósofo centenário

Correio Braziliense
postado em 08/11/2021 06:00

Por ELIMAR PINHEIRO DO NASCIMENTO - Doutor em sociologia pela Universidade René Descargas, Paris V. Professor do programa de pos-graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB

Ao completar 100 anos, ele foi homenageado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pelo presidente da República Francesa, Emmanuel Macron; deu entrevistas na TV e para os jornais do mundo inteiro; dançou com Sabah, sua mulher; participou de diversas lives, além de escrever e publicar um novo livro, o 84º — Lições de um século de vida. Sem receituários nem preleções aos mais jovens, apenas as lições que aprendeu na vida centenária: amar a diversidade entre os humanos, valorizar a natureza, reconhecer o valor da incerteza, inclusive nas ciências, e acolher a esperança como a possibilidade do improvável acontecer. Ensinava-me, Morin, em uma viagem entre Poitiers e Paris: "Em novembro de 1941, estávamos certos que a Alemanha venceria a guerra, quando se iniciou a reação soviética e os Estados Unidos ingressaram na guerra. Ninguém esperava isso. Três anos depois, éramos nós os vitoriosos"

Aos 19 anos, em 1940, estudante universitário, estava lutando na resistência ao nazismo, pois Hitler havia invadido a França. Na época da resistência, filiou-se ao Partido Comunista Francês (PCF). Após a guerra. foi fazer uma reportagem na Alemanha e escreveu seu primeiro livro, publicado em 1946 — O ano zero da Alemanha. Foi um sucesso de vendas na Alemanha. Ele foi o estopim para o início das divergências com a direção do PCF, do qual desligou-se alguns anos depois e deu nascimento a um livro extraordinário — Autocrítica (1959). Antes havia publicado três outros livros: O homem e a morte(1948); O cinema ou o homem imaginário (1956) e, Les Stars (1957). Da guerra, restou-lhe o título de graduado em direito, história e geografia (1942), a grande capacidade de escrever de forma perspicaz, o acolhimento à incerteza e à esperança e um novo nome, Edgar Morin, nascido Edgar Nahoum, em 8 de julho de 1921, de origem judaica, mas um ateu declarado.

No pós-guerra, começou a trilhar um caminho outsider no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNES) e na política. É dessa época que começa a se forjar um pensador livre, ousado, sem submissão às normas vigentes das disciplinas acadêmicas e políticas, traços que ficaram expressos no livro que traduz seu segundo trabalho de pesquisa. Neste estudo ingressou como sociólogo e saiu como um cientista social heterodoxo. O livro que traduz este estudo sobre o processo de modernização em uma pequena comunidade da Bretanha, na França — Comunidade em França: a metamorfose de Plozevet(1967) — foi recebido criticamente pelos sociólogos de plantão.

Durante o estudo jogou fora os questionários e passou a conviver com as pessoas da comunidade observando suas múltiplas dimensões: conflito de idades, recepção dos migrantes e sociólogos parisienses, papel das mulheres, influência do ambiente natural, posição geográfica da comunidade, contradições entre os novos valores e os tradicionais etc. Descobria que a realidade é multidimensional e complexa, que as partes são distintas do todo, e o todo é mais do que o somatório das partes; os fenômenos sociais e naturais são intricados. Como ele costuma dizer, a vida, natural e humana, é regida por uma trilogia: ordem, desordem, organização. E desse estudo nasce uma metodologia nova — in vivo — que resultou na sociologia do presente.

Escreveu sobre os diversos temas de nossa contemporaneidade — comunicação, cinema, epistemologia, crise ecológica, cultura, sociologia, política, educação (cujas obras mais conhecidas no Brasil são: Cabeça bem-feita — repensar a reforma, reformar o pensamento e Os sete saberes necessários à educação do futuro), e sobre os dilemas atuais da humanidade. Contudo, sua obra principal está em seis volumes sob o título geral de O método, publicados entre 1977 e 2004, a qual tem uma bela e instrutiva introdução: Introdução ao pensamento complexo(1999). O Método não desconsidera as ciências, não inventa uma ciência, mas trata de articulá-las em sua diáspora disjuntiva. Tenta vencer o reducionismo cartesiano que aprisionou as ciências em disciplinas isoladas, sem comunicação entre elas para produzir novos conhecimentos.

Este filósofo centenário está construindo uma obra monumental para nos ajudar a pensar o humano como, simultaneamente, faber, sapiens, religiosus, economicus, ludens e demens. Pensar o humano e a natureza de forma integrada, compreender a vida como contraditória, mas bela. Enfim, ensinando-nos a ter esperança.

 


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