OPINIÃO

Leviatã à brasileira

Desde sempre, é sabido que os governos em nosso país, de modo geral, sempre foram maus pagadores, ao mesmo tempo em que sempre agiram como verdadeiros chacais, quando a questão é cobrar dívidas, principalmente se essas forem de pessoas jurídicas ou físicas de poucas posses ou de cidadãos comuns, que não têm meios para proteger seus ganhos contra a sanha arrecadadora do Estado.

Nesse quesito, o cidadão está só e absolutamente desprotegido, como se vagasse no mais árido deserto da Terra. Pessoas que têm dívida com qualquer instituição do Estado, mesmo que exibam condições momentâneas que provam sua incapacidade de honrar os compromissos, são, impiedosamente, caçadas pelos capitães do mato do Estado, oportunidade em que são obrigadas, de modo humilhante, a se desfazerem dos próprios bens, inclusive do salário, que utilizam para sobreviver, para entregá-lo ao governante.

Juízes, cuja função primordial se resumiria ao estabelecimento da justiça e do equilíbrio das partes, tendo como cautela sempre, a proteção dos pacientes mais frágeis, não se avexam em confiscar o  salário do pequeno devedor em favor do Estado, mesmo que isso acarrete a falência financeira de uma família inteira. Agem em uníssono em nome de um poder que somente a eles é benéfico e complacente.

Quando a dívida é de um desses figurões da República, ou da classe política, blindada pelo famigerado foro de prerrogativa especial, e que conta aos milhares, a situação é diferente. Nesses casos, até o secretário da Fazenda, da Receita ou outro alto titular do Fisco é chamado para uma conversa particular, e a dívida ou a investigação some para o fundo do armário, onde outros milhares de processos aguardam o dia do juízo final para serem exumados.

Com relação aos corruptos, que pululam em bandos pela capital a infestar os Poderes da República, o Estado nem ousa, sequer, cobrar deles os tributos que devem sobre os butins amealhados. O Brasil, que muitos historiadores afirmam não ter experienciado o modelo fiscal de cobrança existente no feudalismo europeu dos séculos 5 ao 15, por razões temporais, vive hoje submetido ao mais cruel regime de arrecadação de tributos, obrigando, sob pena de prisão, o cidadão comum a arcar com os gastos seletivos de um Estado perdulário e desigual.

Agora mesmo, o governo federal, por meio de seus apoiadores no Congresso, apresentou projeto que altera um dos mais importantes pontos da nossa Constituição, o teto dos gastos, para acabar com medida saneadora e, assim, permitir que o Executivo gaste sem limites e sem incorrer nas penalidades previstas na Lei de Improbidade Administrativa, que levou, recentemente, outro governo ao impeachment.

Ao mesmo tempo, o governo apresenta a PEC 23, que limita o pagamento dos chamados precatórios — dívidas do próprio governo com milhões de brasileiros — e joga essa conta para um futuro incerto, ou seja, para as calendas. Com o estouro do teto, o rombo da laje superior e que limitaria os gastos governamentais mostra o céu profundo com a possibilidade infinita de gastar, sobretudo, naqueles quesitos em que os maiores beneficiados serão o próprio governo e os políticos, inclusive, da oposição.

O governo não paga o que deve e com esse dinheiro poupado, gasta no que lhe aprouver, inclusive para viabilizar a sua reeleição e de seus aliados. Ciente desse afrouxamento nas contas públicas, que muitos têm chamado de estupro, o Congresso, com o Centrão à frente, prepara aumentos, tanto no Fundo Eleitoral, passando de R$ 2 bilhões para R$ 5 bilhões, incluindo nessa conta a ser paga pelos prejudicados pelo Estado, um aumento indecente também no valor das emendas de relatores, passando essa despesa para R$ 16 bilhões.

Ao mesmo tempo em que confirma sua fama de mau pagador e de gastador contumaz, o Estado deixa patente que os interesses pessoais do governo e da elite dirigente, bem como dos empresários a eles ligados, estão acima do interesse público e muito além de qualquer interesse, mesmo vital a pessoas que, por uma infelicidade qualquer, deixaram de pagar alguma dívida ao Leviatã de mil cabeças.