FERNANDA MENDONÇA DOS SANTOS FIGUEIREDO — Advogada, mestre em direito constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP)
Durante a tramitação do Projeto de Lei nº 2.505/2021, que promoveu sensíveis e importantes mudanças na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), sancionado pelo presidente da República no dia 26 de outubro, o Senado Federal acabou por rejeitar a Emenda nº 18, apresentada pelo senador Jorge Kajuru, que pretendia incluir o assédio sexual no rol taxativo dos atos de improbidade, atentatórios contra os princípios da administração pública, relacionado no artigo 11 da lei.
Ao assim proceder, o Senado entendeu que o assédio sexual, compreendido como quaisquer condutas de natureza sexual manifestadas no exercício do cargo, externada por atos, palavras, mensagens, gestos ou outros meios, impostas a pessoa, independentemente de seu gênero, que causem constrangimento e violem sua liberdade sexual, muito embora seja criminalmente condenável, não pode ser considerado um ato ímprobo.
No Brasil, o combate ao assédio sexual no ambiente do trabalho iniciou-se em 1994 com a ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher — Convenção de Belém do Pará, editada pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Posteriormente, em 2001, o assédio sexual foi tipificado como crime, definido no artigo 216-A do Código Penal, com previsão de pena de um a dois anos. Nos termos do que está definido pelo Código Penal, o crime de assédio sexual pressupõe a existência de uma relação laboral entre o agente e a vítima, em que o agente usa a hierarquia ou ascendência de seu cargo, emprego ou função com a finalidade de obter a vantagem sexual.
Mais recentemente, com a reforma trabalhista de 2017, o assédio sexual foi introduzido na Consolidação das Leis Trabalhistas incluindo a intimidade, a liberdade, a autoestima e a sexualidade como bens jurídicos protegidos nas relações de trabalho.
Na Justiça do Trabalho, diferentemente do que ocorre no Direito Penal, em que a relação hierárquica está presente, o assédio sexual pode ser configurado ainda que não haja subordinação da vítima, o chamado assédio horizontal. Uma vez configurado o assédio sexual, a vítima terá direito inclusive à indenização civil para reparação do dano, que pode ser ajuizada em face da própria empresa, que, posteriormente, poderá ingressar com ação de regresso contra o assediador.
Como se observa, nossa legislação tem refletido a evolução do comportamento mundial no sentido de reprimir o assédio sexual. No ambiente do serviço público, também é possível notar a preocupação com a prevenção ao assédio sexual, por meio da edição de inúmeras cartilhas e orientações que buscam incentivar a denúncia pela vítima e a repreensão ao assediador.
Aliás, nem poderia ser diferente, uma vez que, nesse caso, o assédio é praticado por agente público, cuja atuação vale-se da veste formal da ambiência pública, sendo o Estado diretamente responsável perante as vítimas, assim como acontece com as empresas, que respondem solidariamente por atos desse tipo praticados por seus colaboradores.
Segundo pesquisa do LinkedIn e da consultoria de inovação social Think Eva, que ouviu 414 profissionais em todo o Brasil, quase metade das mulheres já sofreu algum tipo de assédio sexual no trabalho, o que igualmente pode se estender no serviço público.
Nesse sentido, sendo o assédio sexual um ato criminoso, cuja prática nas relações de trabalho é especialmente condenável, o Senado Federal, ao rejeitar a sua inclusão no rol taxativo dos atos de improbidade, acaba por contribuir com o enfraquecimento da luta pela preservação da dignidade da pessoa e da sua liberdade sexual, direitos constitucionalmente assegurados.
Algumas justificativas para a sua não inclusão no texto da lei surgiram timidamente durante o processo de votação das emendas, tais como a de que a reprimenda ao assédio sexual já estaria resguardada em nossa legislação. Mas, por que não ir além e considerá-lo também como um típico ato de improbidade, até mesmo para a proteção do próprio Estado?
Afinal, entre os princípios da administração pública está a moralidade, de modo que a conduta proba deve ser aquela moralmente aceita, estando o assédio sexual inquestionavelmente na contramão disso tudo. Pelo que se percebe, o Congresso Nacional perdeu uma grande oportunidade para trazer mais luz ao movimento mundial de combate ao assédio sexual.