Visão do Correio

A fome não pode esperar

Ainsegurança alimentar e a fome são realidade para mais de 19 milhões de brasileiros. Em grande parte decorrem do desemprego que afeta mais de 14 milhões de trabalhadores e da inflação e das taxas de juros em alta. Tudo conspira contra a qualidade de vida dos brasileiros e a favor do aprofundamento da tragédia social em que o país está mergulhado. Em meio ao quadro dramático, o governo anuncia o Auxílio Brasil no valor de R$ 400 para 17 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade.

O valor é insuficiente, levando-se em conta a disparada do custo de vida, puxada, principalmente, pelos preços dos alimentos. Mas, ainda assim, foi capaz de provocar nova crise dentro do Executivo, com uma debandada de secretários do Ministério da Economia e aumentou a fragilidade do ministro Paulo Guedes. Por uma simples razão: tudo está sendo feito de forma atabalhoada, com objetivos meramente eleitoreiros. O apoio manifestado pelo presidente da República ao condutor da política econômica não mudou o cenário.

O dólar disparou — chegou a R$ 5,70 —, a Bolsa de Valores desabou. Investidores recuaram e as incertezas quanto à política fiscal cresceram. Não à toa, pois o valor do Auxílio Brasil implica romper o teto de gastos públicos. Na opinião de analistas, o Executivo teria muitas outras opções antes de ultrapassar os limites das despesas do governo, como cortar faturas de cartões corporativos, cargos comissionados, que mais atendem a interesses políticos do que aumentar a eficiência dos serviços públicos, e vários outros desembolsos supérfluos. Mais: as emendas parlamentares, sobretudo as de relatores, que consomem bilhões do caixa da União para garantir apoio às proposições do Executivo.

Em quase três anos, o governo não conseguiu aprovar boa parte das reformas prometidas, como a administrativa e a tributária. Os projetos patinam em debates estéreis. Não fosse o empenho pessoal do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sequer a reforma da Previdência teria ocorrido. Os sucessivos conflitos entre Poderes, com base em narrativas sem fundamento na realidade, comprometem a credibilidade do governo. Os fracassos esvaziam as garantias dadas pela equipe econômica de que a questão social fala mais alto do que furar o teto dos gastos públicos, que não passa de um “símbolo de austeridade”, como afirmou o ministro Paulo Guedes.

A fome não espera. É indigno ver mulheres, homens e jovens buscando alimentos no lixo, ou disputando ossos, para saciar ou mitigar a dor da fome, uma vez que o Brasil se destaca como um dos maiores produtores de alimentos. É retrocesso não ter gás, cujo valor tornou o seu uso proibitivo para parcela da população. É primitivo usar lenha para o cozimento da comida. Mas furar o teto doS gastos públicos é um risco concreto de levar o país a reviver um descontrole como o do período pré-Plano Real. A boa cartilha diz, portanto, que programas sociais e responsabilidade fiscal podem andar juntO.

Hoje, a crise impõe ao Executivo e ao Legislativo uma convergência de ações que sejam duradoras, e não paliativas, como um insuficiente auxílio de R$ 400 mensais, com vistas às eleições de 2022. Tornam-se essenciais medidas que reabilitem a credibilidade do país ante investidores nacionais e estrangeiros, para criação de empregos, controle da inflação e políticas sociais com impactos efetivos na vida dos que sofrem na miséria. Fora isso, tudo que vier é mais do mesmo.