OPINIÃO

Estamos em decadência

CRISTOVAM BUARQUE - Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o futuro da educação

Pela primeira vez na nossa história, o Brasil apresenta sinais de que sua crise é parte de uma decadência, que vai exigir anos, talvez décadas, para ser superada, recuperando o rumo do desenvolvimento civilizatório. Ainda no início dos anos 1990, o livro O colapso da modernidade brasileira alertava que o progresso brasileiro seria interrompido em decorrência da falta de cuidado com a desigualdade social, com os desequilíbrios fiscal e ecológico, com a baixa qualidade da educação, a tolerância com a corrupção e a ineficiência, o desprezo com a ciência e a tecnologia.

O atual debate político, prisioneiro do confronto em 2022, exclui a ideia de que Jair Bolsonaro é um fenômeno trágico e brutal, mas passageiro, e que, ao se abraçarem a ele, seus opositores ignoram a dimensão da tragédia histórica que o Brasil atravessa há anos. O momento atual é visto como uma crise, consequência de Bolsonaro, quando, na realidade, ele é um indicador da nossa decadência.

A ânsia de emigração também é um indicador de decadência. Não se trata de saída por períodos curtos, para estudar, fugir de repressão, de guerra civil, como ocorre em outros países. As pessoas estão emigrando para fugir da violência, da incerteza, da falta de perspectiva de bem-estar e da ausência de desafio para construir uma nação; elas abandonam o Brasil por falta de esperança. A emigração é facilitada pela globalização, que permite manter os laços familiares e culturais mesmo vivendo no exterior. O emigrado troca a vida angustiante e sem perspectiva no Brasil por uma vida segura no exterior, conversando com som e imagem com as pessoas que deixou no Brasil, assistindo ao futebol, às novelas e ao noticiário da televisão brasileira.

A decadência que provoca a emigração se agrava porque rouba o potencial desses emigrantes que vão beneficiar o país que os adota ou tolera. Um dia, algum desses emigrantes, ou seu filho ou filha, provavelmente, receberá um Nobel em nome do país onde vive e produz. Outro indicador de decadência está no despreparo educacional de grande parcela da população de adultos “analfabetos para a contemporaneidade”: não conhecem as bases da ciência, não entendem os problemas do mundo, não falam idiomas estrangeiros. Isso indica que não estamos preparados para a integração no mundo nem sintonizados com a velocidade com que ele avança. O corte de verbas promovido, recentemente, por decisão do presidente da República induz à decadência, porque o país que não investe maciçamente em conhecimento fica para trás em relação aos outros países.

A violência que nos rodeia é um indicador de decadência. Ainda mais a aceitação e o acomodamento de sobreviver no meio de uma guerra civil informal, mas mortífera. Vivemos cercados por guardas, muros, vigilância, assistimos ao noticiário como descrição de campo de batalha, sabendo que esse quadro continuará se agravando, empurrando muitos para a migração ao exterior e outros para aceitarem viver no meio da guerra sem saber quando será sua vez de vítima.

É prova de decadência moral a tolerância com a divisão da sociedade brasileira por uma brutal concentração de renda, cuja manifestação mais anticivilizada é sermos o maior exportador de alimentos e termos um dos maiores contingentes de pessoas famintas entre todos os países. A aceitação como natural das notícias sobre a fome intercaladas de propaganda de alimentos e de concursos de culinária é mais um indicador de decadência moral que lembra o tempo em que a escravidão era aceita com naturalidade, separando os brancos dos negros, agora quem come e quem passa forme.

Também é prova de decadência termos o presidente mais ridicularizado entre todos do mundo, visto como motivo de galhofa internacional, representando um país em decadência, ao negar a importância da ciência, dizer com orgulho que não tomou vacina e que não vê necessidade de distanciamento social. Ainda mais quando a oposição se torna prisioneira dos interesses eleitorais imediatos, sem perceber a decadência, nem apresentar rumos alternativos para barrá-la e promover a ascensão do país a um patamar superior de civilização. Nossos líderes parecem pilotos que disputam controlar o leme do navio, sem ver o iceberg da decadência em frente.