Em entrevista ao Correio Braziliense, três dias depois de ganhar o Nobel da Paz, a jornalista filipina Maria Ressa qualificou o jornalismo como “ativismo”, descartou a morte da profissão e citou uma frase que deve causar arrepios em muitos dos poderosos, que se agarram às fake news como tábua de salvação. “Jornalismo é a coragem de dizer a verdade ao poder”, afirmou a fundadora da Rappler, uma empresa de jornalismo investigativo na mídia digital. E aqui destaco a palavra “verdade”.
Nunca antes foi tão espezinhada, vilipendiada e açoitada por aqueles que se julgam acima do bem e do mal. Usam a mentira para radicalizar uma parcela da população e para se perpetuar no poder. Voltam o cidadão contra a imprensa. Tentam minar a missão mais nobre do jornalismo: a de fiscalizar os desmandos do Estado. A imprensa séria, profissional e que se atém aos fatos, é um dos pilares da democracia. Quando vulgos líderes a dilapidam, começam a abrir espaço para a tirania.
Maria Ressa chegou a ser ameaçada de morte, verbalmente, pelo presidente filipino, Rodrigo Duterte. Não esmoreceu, não se acovardou. Continuou a denunciar milhares de assassinatos de traficantes e usuários de drogas, em uma política de intolerância levada a cabo pelas forças do Estado e por comandos milicianos, sob ordens de Duterte.
Para tentar silenciar a Rappler, o governo perseguiu anunciantes, perseguiu os jornalistas mais jovens da companhia e emitiu 10 mandados de prisão contra Ressa em dois anos. O também jornalista russo Dmitry Muratov, o outro laureado com o Nobel da Paz deste ano, ousou desafiar o Kremlin e viu seis de seus colegas serem assassinados. Também não se calou.
Atordoados por promessas messiânicas e por alertas infundados sobre uma ascensão do comunismo — mesmo discurso apregoado durante a ditadura militar —, líderes populistas e autoritários tentam criar um exército de seguidores avessos à informação. Buscam constranger a imprensa. A mordaça não funciona e não funcionará.
O jornalismo segue mais vivo do que nunca, comprometido com a sociedade e com a democracia. Qualquer artimanha para desqualificá-lo apenas expõe a insegurança de governantes que se agarram às mentiras por temerem os fatos. E os fatos, como disse Maria Ressa, estão atrelados à verdade e à confiança, este último o amálgama que une toda a humanidade.
Na condição de jornalista, vislumbrei o Nobel da Paz para dois colegas como um farol a iluminar o obscurantismo e a abrir caminho para a decência. Na madrugada de segunda-feira, por 27 minutos, tive a honra de conversar por vídeo com Maria Ressa. Percebi em seu olhar de paixão pelo jornalismo. Em suas palavras, o eterno compromisso com a verdade. A mesma propalada por governantes, ao citarem trechos da Bíblia e ao menosprezarem a imprensa. Sim, a verdade liberta. O jornalismo, também.