LUIZ FELIPE PERRONE DOS REIS - Sócio diretor do escritório Reis Advogados (SP), integrante da subcomissão Jurídica de Recuperação de Crédito da Febraban e da Comissão Especial de Direito Bancário da OAB DANIEL DE SOUZA - Advogado especializado em direito bancário e cooperativas do escritório Reis Advogados (SP)
Segundo estimativa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em 2020, o agronegócio brasileiro gerou riqueza equivalente a 26,6% do Produto Interno Bruto (PIB), totalizando quase R$ 2 trilhões. O crescimento expressivo, que ocorreu a despeito da pandemia, torna ainda mais urgente a existência de opções de financiamento dotadas de transparência e segurança jurídica, que permitam ao setor fazer frente a esta expansão. No entanto, as fontes são limitadas e os recursos das principais instituições financeiras normalmente são destinados aos grandes produtores, padecendo de financiamentos os pequenos e médios.
Nesse contexto, foi aprovada a Lei 14.130/2021, que alterou a Lei 8.668/93, instituindo os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), que prometem ser uma alternativa de fomento e uma interessante novidade para investidores que tinham interesse no setor, mas se deparavam com um mercado com opções limitadas de investimento. A regulamentação do Fiagro foi validada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da edição da Resolução CVM nº 39, utilizando-se das normas existentes para a constituição e funcionamento de outros fundos, tais como os Fundos de Investimentos Imobiliários (FII), os Fundos de Investimento e Participação (FIP) e os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), passando a vigorar em agosto deste ano. Considerando-se que o agronegócio e sua cadeia produtiva se tornaram um dos motores que tem alavancado o Produto Interno Bruto (PIB), a criação do Fiagro possibilita que os investidores, inclusive estrangeiros, apliquem seu capital no agronegócio brasileiro, participando também desse crescimento.
Interessados em aplicar no agronegócio poderão escolher o Fiagro, que poderá atuar indistintamente dentro da cadeia agroindustrial e ser utilizado em diferentes tipos de investimentos, tais como investimentos líquidos no setor do agronegócio (títulos agro); investimentos de private equity (aquisição de parte de empresa em crescimento), em sociedades limitadas e companhias fechadas do setor e em investimento imobiliário focado no setor agropecuário. Assim, abrem-se as portas para que investidores nacionais ou estrangeiros direcionarem seus recursos diretamente, adquirindo fundos de imóveis rurais, ou indiretamente, por meio de ativos atrelados ao agro.
A captação dos investidores se dará por instituições do mercado financeiro, tais como bancos, cooperativas de crédito e distribuidores de títulos e valores mobiliários (DTVM), e os investimentos serão realizados pela aquisição de ativos, dentre os quais imóveis rurais, participação em sociedades que explorem atividades agroindustriais, ativos financeiros do setor, títulos de crédito ou valores mobiliários emitidos por integrantes da cadeia agroindustrial, títulos de securitização como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), certificados do agronegócio ou imobiliário com lastro no agronegócio, além de cotas de fundos com investimento no setor. Também será possível investir em armazenagem e distribuição de produtos agrícolas e projetos de arrendamento de terras para empresas de reflorestamento ou cultivo de madeira de lei.
Uma das vantagens desse ativo é sua atratividade para o ingresso do tão desejado capital estrangeiro, uma vez que permite intermediar recursos para os imóveis rurais, possibilitando que estrangeiros tenham acesso a terras agrícolas sem a necessidade de compra direta, que é restringida a cotas na legislação atual.
A expectativa é de que, nesse primeiro momento, em que ainda há poucos Fiagros já constituídos e em andamento, os aportes sejam, principalmente, em títulos de crédito e de securitização, tais como Cédulas de Produto Rural (CPRs), apresentadas por produtores a distribuidoras de insumos, agroquímicas, tradings ou bancos para obter insumos ou crédito antecipado para a safra; Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), emitidos por cooperativas de produtores e outras pessoas jurídicas que atuem com comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos do setor e tenham créditos a receber de produtores; Certificados de Depósito do Agronegócio, que representam promessa de entrega, por armazéns e cooperativas, de produtos agropecuários depositados por produtores; e os CRAs, geralmente emitidos por grandes companhias para financiar produtores ou outros projetos.
Dessa forma, inicialmente, o mais provável é que o grande volume de investimentos advenha de investidores brasileiros, não pela ausência de interesse dos investidores estrangeiros, mas pela falta de consolidação do Fiagro, dada a sua recente implementação.
É preciso considerar também que essa nova modalidade de fundo de investimento precisará ainda ser assimilada por investidores não habituados ao mercado, os quais precisarão compreender melhor as particularidades do setor agropecuário e de sua cadeia produtiva, lastreadas essencialmente no andamento da safra e de suas variantes. O que se espera é que os fundos se adaptem às necessidades do setor, aproximando o mercado de capitais do universo em expansão do agronegócio, para que haja real integração e disponibilização de recursos suficientes para fazer frente à potência do setor agrícola brasileiro.