Amanhã, comemora-se o Dia da Criança. Quem pôde foi às compras de presentes e outros mimos para filhos, sobrinhos, netos. Há quem faça festa, com bolo e guloseimas irresistíveis para a meninada, com direito à partilha com os adultos. Passado o momento de alegria, desfrutado por poucos, a vida de crianças e adolescentes no Brasil não é nada festiva. As dificuldades começam dentro de casa. No primeiro semestre deste ano, o Disque 100, da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, registrou 50.098 denúncias de violência contra crianças e adolescentes, quase o mesmo do total do ano passado: 53.5533. Oitenta e um porcento das queixas de agressões deste ano — 40.822 — ocorreram dentro de casa. Em 15.285 delas, a mãe foi a agressora, seguida do pai (5.861 casos), padrasto/madrasta, com 2.664; e outros familiares, com 1.636 registros.
Os dados indicam que há algo de muito errado na saúde emocional das famílias. Alguns podem apontar a crise epidemiológica, as dificuldades financeiras, a falta de emprego, os desentendimentos entre os adultos, principalmente entre o casal, como causas do desequilíbrio. Mas o que as crianças e os adolescentes têm a ver com isso para se tornarem alvo da covardia, da brutalidade física ou psicológica? Viraram o saco de pancadas das frustrações e fracassos dos mais velhos?
Nada justifica bater, xingar, humilhar ou outras formas de maus-tratos contra as crianças. Nada. As agressões deixam marcas indeléveis nos pequeninos e nos jovens, e as acompanharão pelo resto da vida. Tornam-se gatilhos para a reprodução da mesma violência contra as mulheres, os filhos e outras pessoas, na juventude e quando adultos. Não foram ensinados a dialogar como estratégia de solução para as divergências.
Se no ambiente familiar a vida de crianças e adolescentes está difícil, fora de casa a situação não melhora em nada. No ranking mundial, o Brasil ocupa a quinta posição, e a primeira na América Latina, como o país mais perigoso para eles. Pelo menos 6.122 crianças e adolescentes foram vítimas de homicídio no Brasil — aumento de 3,6% na comparação com os 5.912 casos ocorridos em 2019. A cada dia, cerca de 17 crianças e jovens são vítimas de crime doloso (quando há intenção de matar), segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em um país, onde o racismo estrutural está entranhado nas vísceras da sociedade, os meninos e jovens negros até 19 anos representam 82,4% dos mortos pela violência intencional.
O melhor presente que a sociedade e os governantes poderiam dar às crianças e aos jovens, neste de 12 de outubro, seria um pacto nacional contra quaisquer formas de violência premeditadas ou de negligência contra eles. Até agora, o jargão de que eles são o futuro do país nos discursos das autoridades não passa de expressão hipócrita. O futuro está sendo trucidado diariamente.