Depois de sucessivos recordes nos anúncios de estimativa das safras agrícolas do país, o Brasil convive agora com previsões de redução da colheita, como mostrou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ao divulgar que a safra brasileira de cereais, leguminosas e oleaginosas deve ficar em 250,9 milhões de toneladas este ano, com queda de 1,3% em relação a 2020, quando o volume atingiu o recorde de 254,1 milhões de toneladas. Essa quebra de 3,2 milhões de toneladas se deve à crise hídrica provocada pela pior seca em quase 100 anos no país.
As chuvas muito abaixo do esperado são responsáveis também por esvaziar os reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste, exatamente as duas áreas agrícolas com maior redução na expectativa de safra de 5,8% e 2,6%, respetivamente. Nas contas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que considera as safras deste e do próximo ano na sua estimativa, a produção de grãos brasileira será de 288,61 milhões de toneladas, o que vai representar crescimento de 14,2%. Um vê a seca de hoje, a outra aposta nas chuvas que chegam.
Nas contas do IBGE, ou da Conab, cabe lembrar que grande parte dessa produção, principalmente de soja, é destinada ao mercado internacional e garante a entrada de divisas no país. E aqui é preciso considerar, sem hipocrisia e com o objetivo de suscitar um debate que equacione um dos graves problemas não só do Brasil, mas da humanidade, que o número de pessoas em situação de fome aumentou e passa de 19,3 milhões de brasileiros. Não é possível imaginar, com certa ingenuidade, que bastaria forçar exportadores a destinar parte do que é vendido no mercado internacional hoje ao consumo interno para resolver o problema.
Não se trata de uma medida de cima para baixo, mas, sim, de uma tomada de consciência que possa reverter esse quadro que impõe a grande parte dos brasileiros, incluindo crianças e jovens, a total falta de perspectiva de inserção de forma produtiva no mercado de trabalho. E a saída pode estar no conceito de eficiência. Sim, é preciso buscar mais eficiência para que, com essa imensa produção agrícola de um lado e quase 10% da população não tendo o que comer, o país ainda jogue no lixo cerca de 30% da sua produção de comida, incluindo as perdas entre a lavoura e o mercado e o que cada brasileiro deixa no prato e é posto fora. O desperdício de comida tem que ser reduzido ao máximo, para que menos pessoas não tenham o que comer.
O Brasil é um dos 10 países que mais desperdiçam comida no mundo, contribuindo com cerca de 50 milhões das 931 milhões de toneladas de alimentos que são produzidos e não são consumidos, ou seja, se perdem entre o campo e o mercado. Também no mundo, cerca de 30% dos alimentos acabam no lixo, segundo estimativas da FAO, órgão na ONU para a agricultura e a alimentação. O tema ganha relevância porque o Brasil é visto como celeiro do mundo, mas nessa conta não entra o desperdício, que estará em foco na Conferência do Clima (COP26) no mês que vem. Isso porque, além de ser um problema diante da fome, há estimativas de que entre 8% e 10% das emissões de gases do efeito estufa estão associadas a alimentos produzidos e processados que não são consumidos. A fome tem pressa, o clima tem pressa. É preciso reduzir o desperdício, para o bem da humanidade.