FERNANDA DELGADO - Professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Energia
Com uma população de 213 milhões de pessoas e 110 milhões de veículos, o Brasil é o maior mercado de combustíveis da América Latina e o oitavo maior parque refinador mundial. Por dia, são vendidos cerca de 110 milhões de litros de gasolina e 185 milhões de litros de diesel.
Pelo senso comum, acredita-se que cabe exclusivamente à Petrobras a responsabilidade por abastecer o país. Essa é uma percepção equivocada. Com base na Lei 9.478/97, abriu-se a possibilidade de outras empresas atuarem na exploração e refino de petróleo, dando fim ao monopólio, e forçando a Petrobras a praticar preços competitivos dos combustíveis.
Contudo, 24 anos depois, vive-se sob reflexos do passado. O fim do monopólio de fato ainda não foi conquistado, e as ideias de um Estado intervencionista rondam as discussões, especialmente nos preços dos combustíveis.
Durante o monopólio legal das atividades de produção e refino de petróleo, os preços dos combustíveis eram definidos pelo governo federal. O controle de preços é um indutor de ineficiência onde quer que ele seja aplicado. O Brasil nunca teve combustível barato por conta de tabelamento ou interferência nos preços, e a competição praticamente inexistiu, com danos ao ambiente de negócios.
É por conta dessas limitações legais e dos riscos associados, que a governança da Petrobras foi fortalecida nos últimos anos, impedindo a companhia de voltar a represar preços artificialmente. O setor de óleo e gás brasileiro cresceu ancorado no monopólio, no controle de preços, no Estado interventor. O arcabouço regulatório garantia isso. Entretanto, a lei e o mercado mudaram, mas as estruturas de pensamento arraigadas em anos de monopólios e represamento de preços, ainda não.
Com o plano de desinvestimentos da Petrobras, novos refinadores enfim estão chegando. A Petrobras está concluindo a venda de duas refinarias, e outras seis estão em processo. Para assegurar o abastecimento de combustíveis no país, o investimento de novas empresas é fundamental. Nesse sentido, preservar o ambiente econômico concorrencial é mandatório, com a prática de preços de mercado. A pluralidade de agentes e energéticos disponíveis (gasolina, GNV, etanol, diesel, GNL, biogás, biodiesel, entre outros), concorrendo a preços competitivos, atrai investimentos e possibilita a ampliação da oferta de forma econômica.
Uma vez que o petróleo é uma commoditie, ou seja, tem preço definido em mercados globais, preços artificialmente baixos ameaçam a sustentabilidade da indústria, pois não há estímulo econômico às importações nem aos investimentos em refino e logística, acendendo o risco de desabastecimento. Nesse espectro de alta volatilidade atual, em caso de oscilações no mercado externo, como estabilizar os preços na bomba, sem demandar à Petrobras medidas que represem preços, contrárias à regulação vigente?
Experiências de fora trazem exemplos possíveis. Alguns países desenvolvidos têm adotado mecanismos em prol da modicidade de preços de combustíveis. No Brasil, um dos caminhos seria a instituição de um fundo, do qual sairiam recursos para subvencionar parte do preço em momentos críticos — mesmo que mecanismos dessa natureza não estejam entre as soluções de maior sucesso no Brasil, podem servir como medida de transição.
É urgente, ainda, rever a tributação dos combustíveis, em particular o ICMS, com fatia de R$ 1,65 por litro de gasolina, em média. Por previsão legal, o ICMS integra sua própria base de cálculo e incide sobre o preço final do produto, diferentemente da Cide e do PIS e da Cofins, que incidem sobre o preço comercializado pela Petrobras. Tramita na Câmara dos Deputados projeto para tornar fixo o ICMS pago nos combustíveis (ad rem).
Opções não faltam para atenuar o efeito das oscilações de câmbio e preço do petróleo no mercado internacional — ainda que haja também uma discussão sobre o nível de preços. A questão não se resolve forçando a Petrobras a baixar preços. A empresa tem a União como dona de 37% de seu capital. Os demais 63% pertencem a 850 mil acionistas, dos quais 750 mil no Brasil.
O caminho é claro e demanda a atuação dos agentes públicos. Somente uma solução consensual tirará o Brasil da espiral de alta dos combustíveis que tanto afeta a população. Qualquer saída passa por mecanismos de estabilização combinados à revisão da aplicação de tributos, especialmente do ICMS. É preciso deixar no passado a ótica de interferência estatal nos preços dos combustíveis. Deve-se mirar nos projetos que incentivem a concorrência entre os agentes e fontes energéticas, buscando reduzir a burocracia, simplificar e reduzir as assimetrias tributárias. É preciso eliminar a herança do monopólio no segmento de combustíveis. Que o passado passe. Assim, o Brasil terá chance de se tornar um país desenvolvido e enxergar melhor o seu futuro.