OPINIÃO

A dança e o futebol

O genial mestre Naná Vasconcelos (1944-2016), considerado um dos melhores percussionistas do mundo em todos os tempos, cantou na faixa Futebol, que abre o disco Minha Lôa (2002), a necessidade de o esporte preferido dos brasileiros manter a alegria em campo, o sorriso dos craques, o suingue dos dribles que encantam as arquibancadas. Pois reside nessas características toda a magia e beleza dos campeonatos de bola rolando pelos gramados. Recorro a mais uma inspiração musical nesta seção para refletir sobre uma manifestação que me pareceu atentar contra um dos princípios mais sedutores e apaixonantes desta modalidade esportiva.

Nos últimos dias, logo após a classificação do Palmeiras para a segunda final consecutiva da Copa Libertadores, o técnico português Abel Ferreira, em tom irritado e colonizador, expôs pensamentos sobre o que, particularmente, considera ser as razões para o sucesso do time que comanda. Falou sobre disciplina, estudo, força... Obviamente, elementos fundamentais para uma performance de alto nível, mas esqueceu — ou ignorou — a alegria que marcam os capítulos mais felizes das histórias dos estádios. Exalando uma tensão desnecessária para um vencedor, o treinador palmeirense manifestava em cada gesto uma fúria que não condiz com os melhores momentos do esporte. Calma, Abel.

“Não deixe o futebol perder a dança. Nem perca esse sorriso de criança”, cantava Naná Vasconcelos, em uma canção repleta de ritmo e balanço, que logo traz à mente a lembrança do sorriso de Ronaldinho Gaúcho ao entortar os zagueiros rivais e estufar as redes do Santiago Bernabéu, sob os improváveis aplausos da torcida do Real Madrid. Naturalmente, um astro como o ex-camisa 10 do Barcelona não nasce todos os dias, mas é preciso mirar o exemplo dele e de outros grandes nomes — como o eterno rei Pelé — para que o espetáculo não se transforme em um campo de guerra.

Em um duro discurso, Abel disse que, para se tornar melhor no futebol, acabava por se fazer um pior filho, pai e esposo. Em breve, isso haverá de acabar — previu. Mas valerá a pena tamanho sacrifício? Seria esse caminho realmente necessário? Com todo respeito ao vitorioso trabalho do técnico português, tenho lá minhas dúvidas. Prefiro o samba do trabalhador ao fim de uma jornada de suor. Agrada-me mais a mansidão e a paz dos mestres orientais.

O controverso ateísta filósofo alemão Friedrich Nietzsche proclamou que apenas acreditaria em um “Deus que soubesse dançar”. Pois meu Deus não apenas dança, como inspira todas as canções e o próprio silêncio. Faz isso diariamente na solidão e calmaria das madrugadas, como também no alvorecer ao canto dos pássaros e ao vento que balança as maiores árvores. Pois que a dança nos embale na vida e no futebol, caro Abel.