Visão do Correio

Amazônia, zona de risco à vida

O descaso com a Amazônia, permitindo avanço do desmatamento e das queimadas — estratégia da política ambiental do país —, somado às mudanças climáticas, eleva o risco de calor extremo, insuportável ao corpo humano. O alerta foi dado, ontem, com a divulgação, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do estudo Desmatamento e mudanças climáticas projetam aumento do risco de estresse térmico na Amazônia Brasileira. Trata-se de um trabalho pioneiro de análise dos impactos combinados do desmatamento e das mudanças climáticas na saúde humana.

A elevação extrema da temperatura afetará diretamente pelo menos 12 milhões de pessoas no Norte e se estenderá por 16% de 5.565 municípios, atingindo 16% deles, que abrigam 30 milhões de brasileiros — números subestimados, por desconsiderar o ritmo do crescimento demográfico —, com a transformação da floresta em savana até 2100. As alterações afetarão a sobrevivência humana, pois “não seremos capazes de manter a nossa temperatura corporal sem adaptação”, advertem os autores.

O estudo foi elaborado pelos pesquisadores Beatriz Alves de Oliveira, da Fiocruz; Marcus Bottino e Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); e Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP). O estresse térmico — alta exposição a temperatura e umidade compromete a capacidade de resfriamento do corpo —, pode “ocasionar desidratação e exaustão e, em casos mais graves, tensão e colapso das funções vitais, levando à morte”. E acrescenta: “O estresse causado pelo calor pode afetar o humor, os distúrbios mentais e reduzir o desempenho físico e psicológico das pessoas”.

Além dos danos ambientais e letais à vida humana, o estudo alerta para os impactos sociais e econômicos provocados pela elevação da temperatura da Amazônia. O aumento de l,5ºC na temperatura média global, com base em modelos climáticos, resultará em 0,84% de perdas na jornada de trabalho até 2030 — ou seja, daqui a nove anos — o que equivale a 850 mil postos de trabalho, principalmente na agricultura e na construção civil.

Este fenômeno foi constatado entre os cortadores de cana-de-açúcar, submetidos a condições inadequadas de trabalho e à exposição direta ao Sol. No campo social, os pesquisadores preveem fuga da população para áreas menos inóspitas, o que representará a despovoação de regiões com elevada temperatura, por inadaptação humana ao estresse térmico.

Reverter essa trajetória de destruição da Amazônia não implica só dar um basta às queimadas e ao desmatamento. Exige a recomposição da floresta e das áreas degradadas por meio do plantio das espécies destruídas pelo descaso e pelo consentimento tácito do poder público. Não é balela, muito menos conversa de ecochatos, a defesa intransigente da floresta em pé, como recurso essencial à vida e com potencial para criar empregos, aumentar a renda e garantir um desenvolvimento sustentável da Região Norte.

Os estudos científicos mostram que a permissividade do Estado brasileiro com as ações criminosas contra a Amazônia — desmatamento, queimadas, garimpos e introdução primitiva de monoculturas — provocará gravíssimos danos socioeconômicos ao país.Hoje, a boiada encontra as porteiras abertas para passar. Mas, amanhã, o gado morrerá por falta de pasto.