ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
Os principais jornais do país não deram a menor bola para a visita do presidente da Colômbia, semana passada, ao presidente Jair Bolsonaro. O representante do país vizinho conversou com empresários em São Paulo antes de desembarcar em Brasília para o encontro pessoal, tipo olho no olho, com o brasileiro. Depois, junto com assessores, assinaram documentos. Brasília, no entanto, viveu dias estonteantes por causa do rompimento do teto de despesas, queda vertiginosa da Bolsa de Valores e elevação do preço do dólar. Além disso, ocorreu o relatório da CPI da Covid e a rejeição da PEC 05/21, que buscava criar maior controle sobre os procuradores. Ou seja, pretendia que Lava-Jato, nunca mais.
A coincidência de eventos desmanchou a relevância do encontro. A visita de Iván Duque não se tratou de um gesto protocolar, porque a Colômbia é um país sul-americano muito especial. É o único na região que integra a Organização do Tratado para o Atlântico Norte (Otan). Recebe tratamento especial dos Estados Unidos. Washington investiu muito dinheiro na erradicação dos plantios de coca, planta que se transforma em cocaína. O projeto não foi bem-sucedido.
A Colômbia é a maior produtora de cocaína no mundo (estimadas 1.379 toneladas em 2017). Abastece os principais mercados nos Estados Unidos e na Europa. Exporta muito para o Brasil. Além disso, floresceu, dentro de suas fronteiras, o maior e mais expressivo grupo guerrilheiro da região: as temidas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que atuam em vários pontos do país e na fronteira com o Brasil. Os cartéis que produzem a droga continuam a operar a plena carga. Eles chegaram a construir pequenos submarinos para levar o valioso produto até a costa oeste dos Estados Unidos.
O Brasil é consumidor e corredor de passagem. Existem campos clandestinos no norte do país que auxiliam o voo de pequenas aeronaves até a África e de lá para Europa. Recentemente, foi descoberto pela Polícia Federal pequeno aeroporto na cidade de Calçoene, Amapá, apontado como sendo ponto de apoio a esta longa travessia. A elevação dos índices de violência urbana no Brasil se deve à produção colombiana. Os tiroteios nos morros cariocas têm a remota origem nos cartéis de Medellín e Cali.
A Colômbia tem longa fronteira com o Brasil na Região Amazônica. Aliás, na área conhecida como Cabeça do Cachorro, no período do governo Fernando Henrique, ocorreu pesado enfrentamento. Colunas das Farc invadiram posto de fronteira em território brasileiro. E mataram um soldado. Tempos depois, um comando brasileiro, composto por paraquedistas, invadiu a tiros o território colombiano e negociou diretamente com o comando das Farc. Ficou estabelecido que a guerrilha era assunto da Colômbia. Os brasileiros não se envolveriam no assunto. Mas, em contrapartida, os guerrilheiros colombianos não poderiam entrar no território nacional. O acordo é respeitado até hoje.
O presidente Jair Bolsonaro não recebe muitos visitantes estrangeiros. Ele não costuma dar atenção às relações internacionais. A visita do presidente da Colômbia, Iván Duque, foi, portanto, uma das raras aparições de estrangeiros no gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto. Duque veio ao país para firmar acordos de segurança na fronteira e anunciar que estará junto com o brasileiro na preservação da Amazônia durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP-26 de Glasgow, que se iniciará no próximo dia 31. Os dois são políticos do campo da direita.
O intercâmbio comercial entre os dois países foi de US$ 3,6 bilhões no ano passado. “Estamos no ponto mais alto de nossas relações”, disse Duque. Na entrevista conjunta com a imprensa, o presidente colombiano se mostrou entusiasmado na defesa da Amazônia. Bolsonaro pronunciou apenas 23 palavras sobre o assunto em seu breve discurso. A Colômbia foi considerada pelo segundo ano consecutivo o país mais perigoso para ambientalistas: 227 foram assassinados no país no ano passado. Segundo dados oficiais, houve crescimento de 8% no desmatamento da Amazônia colombiana em 2020, em comparação com o ano anterior. No Brasil, a elevação foi de 30%.
A reunião de Glasgow promete ser muito divertida do ponto de vista dos pretensos defensores da Amazônia. O presidente Jair Bolsonaro negou ao vice-presidente, Hamilton Mourão, atual presidente da Comissão da Amazônia, a presença no encontro internacional. A delegação brasileira será chefiada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, sucessor do insuperável Ricardo Salles, acusado de intermediar contrabando de madeira da Amazônia para os Estados Unidos.
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