OPINIÃO

Avanços e limites da diversidade racial nas empresas

Correio Braziliense
postado em 16/10/2021 06:00
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

MARONI JOÃO DA SILVA - Jornalista, escritor, mestre e doutor em ciências sociais pela PUC-SP, sócio-diretor da Textocon, Comunicação & Cultura Organizacional

A ressignificação de modelos de seleção de pessoas — em grandes empresas no Brasil — para reduzir o gap da diversidade racial se destaca na mídia como um fenômeno organizacional disruptivo, no contexto Vuca (Volatilidade, Incerteza, Complexidade, Ambiguidade). Fora o marco institucional legal em que as novas práticas se situam — Ações Afirmativas e Estatuto da Igualdade Racial —, mais duas interpretações são ventiladas pela imprensa, com foco no alcance social de ações como o programa de trainee para negros/as do Magazine Luiza: ampliação quantitativa de pessoas negras no mundo corporativo e reposicionamento de seu status fora deste.

É óbvio que outras leituras podem ser inferidas como consequência do novo viés sociocultural imputado pelas empresas à gestão estratégica dos recursos humanos. Mas as duas asserções citadas subsidiam o recorte da inserção sociocultural que aqui problematizo: a contraposição da diversidade racial corporativa à ressignificação estrutural da desigualdade étnica, no contexto da sociedade brasileira.

Em princípio, não há dúvida de que a vontade política das empresas de contratar negros se sobrepõe a estigmas racistas — latentes e manifestos em nossa cultura e na própria cultura organizacional — e tem força para ampliar o espaço funcional do negro em seus quadros de pessoal.

Uma determinação “vinda de cima” relativiza o poder de alguns atores/grupos que se articulam internamente via afinidades institucionais ou lealdade a tipos de liderança, inclusive de perfil racista. Sabe-se que, ancorados nesse tipo de “jeitinho brasileiro”, tais pessoas barram o compartilhamento de espaços na hierarquia das empresas, desconstruindo possíveis efeitos positivos da meritocracia e da contratação de negros.

Acredita-se, também, que essa determinação neutralize barreiras contrárias à contratação de negros, presentes em metáforas do tipo “bem-vestido”, “bem-apessoado”, que, por décadas, reproduziram um tipo de racismo latente no mundo corporativo e impuseram a hegemonia branca nos quadros das empresas.

Contudo, a mudança estrutural no status social do negro na sociedade, em face do seu empoderamento nas empresas, é questionável e até falsa, em alguns casos. É preciso deixar claro que a responsabilidade social corporativa está sempre atrelada à cultura de negócio das empresas. Por isso, qualquer atitude social, até mesmo ações filantrópicas, priorizam a estratégia econômica, sem questionar as mazelas sociais que se buscam “corrigir”, ancorados em slogan como “ser do bem”, conforme analiso em meu livro O lado místico do comércio, que está à venda, on-line, na Appris Editora e Amazon, entre outras distribuidoras.

Resguardados os benefícios sociais de curto e médio prazos da contratação de mais negros, mais abertura no interior das empresas pode até mesmo operar como armadilha contrária ao enfrentamento profundo da discriminação racial e sua desconstrução. Isso ocorre porque, na prática, a inserção social corporativa opera como apaziguamento do conflito causado pela desigualdade.

Portanto, que não se espere das empresas um protagonismo que bata de frente com o status quo. O modus operandi fica mais na superfície das grandes contradições sociais, ainda que no discurso algumas organizações possam avançar o sinal. Assim, está claro que os efeitos sociopolíticos da diversidade racial podem se esgotar nas próprias empresas.

Porém é possível que parte do contingente beneficiado pelo empoderamento corporativo use esse capital político para atuar de forma mais ampla fora das empresas. Para isso, é necessário não apenas se apoiar em sua representação psicossocial e simbólica, ou seja, a melhoria da autoestima, mas, sobretudo, atuar como sujeitos e transformar o lugar de fala em vetor de maior conscientização sobre as causas estruturais da posição periférica do negro na pirâmide social.

Somente essa atitude pode resgatar táticas políticas efetivas que motivem o embate contra a herança escravista. Seu enfrentamento real extrapola o potencial “reformador” de ações econômicas interessadas apenas em reparar o atraso causado pelo racismo. Este representa, hoje, uma doença social muito mais manifesta do que latente, infestando toda a sociedade brasileira. A boa notícia é que permite seu combate de modo mais efetivo e transparente.

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