DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR - Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, ex-presidente do Global Pediatric Education Consortium (Gpec) — Email: dicamposjr@gmail.com
A inteligência potencial de maior valor para a humanidade é a da infância. Não há qualquer dúvida sobre a veracidade deste conceito, fundamentado em claras evidências científicas. De fato, a formação do cérebro tem início na vida intrauterina. É a fase da maior velocidade de crescimento desse órgão, qual seja de três gramas por dia entre o sexto e o nono meses de gestação. Ademais, um recém-nascido normal vem ao mundo com cerca de 100 bilhões de neurônios, que são células do sistema nervoso. É quando se acelera o estabelecimento das chamadas sinapses, que são as conexões entre os mencionados neurônios.
Após o nascimento, o aumento do volume cerebral continua, de forma decrescente até o sexto ou sétimo anos de vida, quando já atinge a dimensão do cérebro de um adulto. Ademais, a plasticidade deste órgão tem seu alto nível na primeira infância, período em que as conexões neuronais são muito mais fáceis do que nas etapas seguintes, quando a plasticidade é cada vez menor.
O estabelecimento das referidas sinapses mostra o quanto a dinâmica cerebral é ativa durante praticamente toda a infância. São geradas por estímulos oriundos do meio ambiente, no qual o recém-nascido cresce e se desenvolve. Trata-se do período de vida em que o ser humano possui a maior capacidade de aprendizagem. Por isso, é a principal etapa de formação da sua personalidade. Não por outra razão, Cícero, grande pensador da Era Romana, definiu a educação como “amamentar, proteger e instruir”. Vale dizer que, naquela época, o potencial cognitivo da infância era bem visível como justificativa de seu acolhimento educacional pela sociedade, mormente pelo berço familiar.
Portanto, torna-se cada vez mais claro que, sem a educação de qualidade para todos na primeira infância, a inteligência humana não alcança o padrão que uma sociedade justa e igualitária requer. Não faltam exemplos de países que comprovam a validade desta afirmação. Com efeito, é triste reconhecer que nosso país é um dos exemplos mais lamentáveis nesse sentido. Boa parte da elite brasileira, a que comanda o espetáculo, despreza os conceitos e reflexões acima expostos. Daí resulta uma educação fraca e desigual, que alimenta a convivência aparentemente natural da população com as enormes desigualdades sociais que caracterizam o país. É a estratégia, já histórica, adotada com o intuito de preservar essa parte da elite no exercício do poder.
Torna-se,então, evidente e inquestionável que a inteligência potencial do ser humano tem como fontes insubstituíveis o útero materno; o acolhimento do recém-nascido, que requer nutrição adequada com leite materno exclusivo até o sexto mês de vida; e sua proteção e estimulação ao longo da infância. São práticas que representam, de fato e de direito, ações educativas sem as quais não se formará adequadamente o nível mental necessário ao exercício da cidadania. Confirma-se, assim, o sábio teor da educação formulado pelo citado pensador da Era Romana.
Todos os conceitos e práticas essenciais ao período da educação infantil são missões e atributos exclusivos da função humana inerente ao exercício da maternidade, virtude incomparável da mulher. São valores existenciais que não podem ser omitidos nem tampouco negligenciados, sob pena de se desconstruir o futuro da humanidade. De fato, com a nova visão da inteligência artificial, que automatiza as novas gerações, a alma se esvai, o espírito enfraquece e a mente é dominada pela ditadura do consumismo desvairado.
Uma das mais nefastas consequências da nova realidade em que vivemos é, sem dúvida alguma, a fragilidade na qual sobrevive, cada vez menos, o histórico berço familiar que trouxe a humanidade até os tempos atuais. Exemplos merecem ser citados. Um deles é da Sagrada Família, que deixou de ser reconhecida no seu sublime valor porque o materialismo consumista tomou conta da sociedade humana. Outro exemplo é o do Natal, que se refere originalmente ao nascimento do menino Jesus no seio da Sagrada Família. Com o passar do tempo, o Natal se tornou uma festa comercial liderada pelas empresas que substituíram o recém-nascido da Sagrada Família pelo papai Noel, símbolo do consumismo que praticamente esvaziou o culto do presépio como uma devoção ao sagrado berço familiar.
Em conclusão, a sociedade humana merece a ressurreição dos seus valores do passado para construir um futuro ao qual as novas gerações fazem jus. A única rota, deveras segura, será a de uma educação básica capaz de promover a inteligência potencial da infância.
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