ELIZABETH DE CARVALHAES
Há quase dois anos, o mundo enfrenta a maior crise sanitária desde o início do século. Durante esses meses em que lutamos contra a pandemia do coronavírus, a indústria farmacêutica e os cientistas do mundo todo, como não poderia ser diferente, trabalham sem descanso para encontrar uma solução definitiva, seja preventiva, ou para remediar os efeitos da doença que atingiu quase 225 milhões de pessoas. As vacinas contra a covid-19 foram desenvolvidas em tempo recorde e já ajudam a diminuir o número de casos graves e de mortes globalmente. Isso só foi possível graças aos investimentos constantes realizados em Pesquisa e Desenvolvimento ao longo de décadas e à união entre diferentes stakeholders (centros de pesquisa, startups, laboratórios públicos e privados, universidades, hospitais, governos e entidades internacionais).
Laboratórios farmacêuticos, embora concorrentes, se uniram com aval de governos em uma ação inovadora e com um propósito comum. O Brasil se encontra em situação muito privilegiada frente a diversas nações porque oferece terreno fértil que permite produzir em seu território as vacinas de que necessita para sua população e para exportar a outros países que não têm a mesma capacidade. A parceria e consequente transferência de tecnologia realizada entre AstraZeneca/Fiocruz e Sinovac/Butantan e, recentemente, acordos como o da Pfizer/BioNTech com a Eurofarma (entidades privadas), demonstram o compromisso da indústria de pesquisa no combate à pandemia e confirmam o que já se argumenta internacionalmente. Voluntariamente os laboratórios de pesquisa de diferentes matrizes, detentores da tecnologia, estão assinando acordos para ampliar a produção e a equidade de acesso às vacinas no Brasil e no mundo todo.
Tal movimento voluntário, que preserva a estabilidade dos sistemas jurídicos e garante segurança aos agentes, porém, é atingido por iniciativas repentinas. Entre elas, o Projeto de Lei 12/2021, recém-aprovado pelo Congresso Nacional brasileiro e que aguarda a sanção presidencial, que altera legislação sem necessidade, e efetivamente não trará nenhum benefício quanto à celeridade ou equidade na vacinação no Brasil.
O texto aprovado pelo Congresso prevê uma licença compulsória muito além da estabelecida pelos padrões adotados globalmente e delimitada por acordos internacionais, exigindo, por exemplo, a transferência de tecnologia e de segredos industriais dos titulares cujas patentes forem licenciadas, como o banco de células (master cell bank). Apesar de reconhecermos que o nobre intuito de deputados e senadores é solucionar a pandemia, mudar as regras do licenciamento compulsório, sem qualquer indicação de que esta medida seja eficaz, pelo contrário, poderá ser extremamente negativo para o Brasil e os brasileiros.
Além de não existirem benefícios imediatos para o combate à crise sanitária que vivemos, a aprovação e promulgação do PL 12/2021 prejudicam a economia e a saúde dos brasileiros. Isso porque o PL traz insegurança jurídica para o setor que investe em pesquisa e desenvolvimento, afugentando futuros acordos voluntários, como os já anunciados, investimentos, recursos para pesquisas e inovações. Para que novas parcerias, não só para a produção de vacinas para covid-19, mas também de outras tecnologias, sejam estabelecidas entre empresas globais de pesquisa e empresas ou institutos de pesquisa nacionais, é preciso que o Brasil sustente um sistema de propriedade intelectual confiável. É preciso que as regras do jogo sejam mantidas em vez de alteradas sob toque de urgência. É preciso que o Estado entenda os compromissos internacionais assumidos e os cumpra à risca. Sem essas garantias, os recursos que poderiam beneficiar os brasileiros irão ser realocados para outros países. E os nossos melhores cérebros, técnicos e pesquisadores serão levados a buscar trabalho em outras nações.
O Brasil só tem a ganhar com parcerias voluntárias, como a recém-anunciada pela Pfizer/BioNTech com a Eurofarma. Com isso, será possível focar os investimentos em processos capazes de fomentar a pesquisa de inovações, o desenvolvimento da capacidade técnica local e a formação altamente especializada em território nacional. A Interfarma entende que essas parcerias são fundamentais para ampliar a base de plataformas tecnológicas no território nacional e inserir o Brasil no seleto grupo de países produtores de biotecnologia. Essas parcerias demonstram ainda o compromisso da indústria com a busca por soluções em saúde e melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Por todas essas razões, o veto presidencial de alguns dispositivos do Projeto 12 foi uma mensagem importante do Estado brasileiro ao setor farmacêutico e ao mundo. Revela que temos interesse em nos colocar dentre os países que querem soluções para a pandemia, mas que anteveem que a solução não virá de movimentos abruptos e alheios à colaboração entre empresas e nações, muito menos da ruptura de leis que protegem as inovações e o inventor. É fundamental que o Congresso Nacional reconheça os riscos que foram mitigados com o veto desses dispositivos e que o Brasil está no caminho certo de ter em seu território empresas inovadoras capazes de responder, com segurança e responsabilidade, às emergências que estão por vir. Esperamos que o Congresso mantenha a decisão do executivo, pelo bem da ciência e da população brasileira.