Estive numa concessionária um dia desses para apreciar um carro 0km. Entrei no veículo, senti o cheirinho da tentação, fui convidado a fazer um test drive, sentei-me à mesa para simular um financiamento a perder de vista e levantei rapidamente. Saí correndo da loja conformado com meu automóvel velho quilômetro depois do choque de realidade. É duro, mas responsável e nada vergonhoso olhar no retrovisor surrado e dizer a si: “Não posso, ainda não cabe no meu orçamento”.
A maioria dos clubes do futebol brasileiro não pensa assim. Cartolas dirigem-se ao shopping da bola, compram, levam calhamaço de boleto para casa e ostentam aparência. Simulei o orçamento do humilde carro dos sonhos em 60 meses — exatamente o tempo que o São Paulo levará para quitar a dívida com Daniel Alves — e desisti. Assim como eu, o clube sabia que não teria condição de pagar o salário combinado em agosto de 2019. Forçou a barra e se deu mal.
O rombo estimado é de R$ 24 milhões. Logo, o São Paulo terá de pagar 60 vezes de R$ 400 mil por mês a Daniel Alves. Detalhe: ele não jogará mais pelo time. Diz a diretoria que poupará R$ 27 milhões com o rompimento. Daniel recebia cerca de R$ 1,5 milhão por mês. O time admitiu calote de R$ 18 milhões, ou seja, economia, mesmo, teria sido não contratá-lo.
O São Paulo tinha fama de clube correto, mas nesse episódio específico de Daniel Alves seguiu à risca o manual de como quebrar um time de futebol. Em vez de emular o Flamengo das eras Eduardo Bandeira de Mello ou Rodolfo Landim, se inspira nas controversas gestões de Kleber Leite, Edmundo dos Santos Silva e Patrícia Amorim. A saída de Daniel Alves do Morumbi é idêntica à das conturbadas rupturas de Romário e Ronaldinho Gaúcho com o Flamengo.
Romário voltou ao Brasil em 1995 para vestir a camisa rubro-negra. Saiu em 1996 para o Valencia, retornou em 1997, e permaneceu na Gávea até 1999. A dívida do Flamengo com o Baixinho atingiu a cifra de R$ 18 milhões e seria paga até 2022. Em 2016, o clube desembolsou R$ 6 milhões na gestão de Bandeira de Mello e encerrou o assunto.
Em 2011, Patrícia Amorim repatriou Ronaldinho Gaúcho sem condição de pagá-lo. O jogador eleito duas vezes melhor do mundo em 2004 e 2005 cobrou R$ 40 milhões de indenização, mas o departamento jurídico acabou com o caso, em 2017, por R$ 17 milhões.
O Flamengo ostenta o badalado elenco atual porque deu passos atrás para resolver perrengues jurídicos comos os de Romário e de Ronaldinho Gaúcho. Abriu mão de “Daniéis Alves” da vida até voltar a ter credibilidade na praça. O São Paulo e outros clubes deveriam seguir esse exemplo. É assim no futebol e na vida. Não dá para comprar carro novo sem ter condição de pagar o boleto.