As frequentes ameaças à democracia, originárias de alguns setores da vida nacional, levam a tristes lembranças dos anos de chumbo vividos pelo país durante 21 anos, entre 1964 e 1985, sob a égide da ditadura militar. Naquele período, muitas vozes se calaram — por medo e repressão — mas houve os que não deixaram se abater diante das atrocidades cometidas e se manifestaram com veemência. Entre eles estavam os representantes da classe artística, ligados ao cinema, ao teatro e à música.
Mesmo sob o foco da censura, os compositores, esbanjando criatividade, criaram canções com letras que, sutilmente ou com veemência, confrontavam o regime. Várias delas, de estilos diversos, acabaram se transformando em clássicos da MPB e hoje fazem parte da memória afetiva de muitos brasileiros.
Um dos nomes de maior relevância da história do samba, o eterno Zé Keti deixou claro seu posicionamento em Opinião, um dos maiores sucessos de 1965, a ponto de dar nome a um espetáculo teatral no Rio de Janeiro, no qual, sob aplausos, cantava: “Podem me prender, podem me bater/ Podem até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de opinião...”
Três anos depois, ao participar da final do Festival da Record, em São Paulo, Caetano Veloso subiu ao palco para defender É proibido proibir e expor sua revolta: “E eu digo não/ E eu digo não ao não/ É proibido proibir/ É proibido proibir”. Já em 1968, no Festival Internacional da Canção, Geraldo Vandré ouviu milhares de espectadores, presentes no Maracanãzinho, fazerem um coro gigantesco para acompanhá-lo em Pra não dizer que não falei das flores, que se tornaria um hino revolucionário, por conta de versos como: “Pelos campos há fome em grandes plantações/ Pelas ruas marchando indecisos cordões/ Ainda fazem da flor seu mais forte refrão/ E acreditam nas flores vencendo o canhão”.
Na década de 1970, com o aumento da repressão, os protestos se acentuaram e eram refletidos nas canções, principalmente dos artistas engajados. Um deles, Taiguara, chamava atenção pela frequência com que compunha. Ele é autor de, entre muitas, Que as crianças cantem livres, com versos como este: “E que as crianças cantem livres sobre os muros/ E ensinem sonho aos que não podem amar sem dor”. Já Ivan Lins, quase pedindo desculpa, cantava em Aos nossos filhos: “Perdoem a cara amarrada/ Perdoem a falta de abraço/ Perdoem a falta de espaço/ Os dias eram assim”.
Com crítica ainda mais explícita e contundente à falta de liberdade, Apesar de você, de Chico Buarque, foi proibida de tocar nas rádios durante o governo do general Emílio Garrastazu Medici, e só veio a ser liberada oito anos depois, no final do mandato do general Ernesto Geisel. Trecho da letra diz: “Apesar de você, amanhã há ser outro dia/ Eu pergunto a você/ Onde vai se esconder/ De enorme euforia/ Como vai proibir/ Quando o galo insistir em cantar/ Água nova brotando/ E a gente se amando sem parar”. Aí está uma canção que se mantém mais do que atual, em tempos tão sombrios.