É falsa a afirmativa de que a não aprovação do marco temporal inviabilizará o agronegócio. Os povos indígenas ocupam 13,8% dos 8,5 milhões de km² do território nacional. Ou seja, restam 86,2% à disposição dos não índios, sendo que 41% estão nas mãos dos agropecuaristas. As terras indígenas são um pequeno lote neste Brasil de dimensão continental.
O relator do Recurso Extraordinário nº 1.017.365, em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, deu parecer contrário à proposição. Ele reconheceu o direito dos povos originários sobre as terras que ocupam desde antes da Constituição de 1988. “Enquanto direitos fundamentais, estão imunes às decisões das maiorias legislativas eventuais com potencial de coartar o exercício desses direitos, uma vez que consistem em compromissos firmados pelo constituinte originário”. O julgamento prossegue esta semana. Mas Fachin lançou uma pá de cal sobre a pretensão daqueles que se opõem ao reconhecimento do direito dos povos indígenas sobre minguada parcela das terras que ocupam no país.
A imensa maioria dos povos indígenas está concentrada na Amazônia Legal (98%) e o restante (2%), espalhada em microáreas do país. Os latifúndios ocupam 41% do território nacional. Em estados como Goiás, os ruralistas ocupam 77% das terras, e as comunidades indígenas, 0,1%. Em São Paulo a relação é de 66% (ruralistas) contra 0,1% (índio) e em Minas Gerais, 65% (agro) e 0,2% (povos originários), segundo estudo do Instituto Socioambiental (ISA).
Desde o período colonial, as terras indígenas são cobiçadas pelos não índios. Por mais de 500 anos, esses povos têm resistido. No início do século 16, os estudiosos estimam que eles somavam cerca de 4 milhões de indivíduos. Hoje, são pouco mais de 800 mil. A terra é fundamental para a vida desses povos, que deram grande contribuição, desde o império, às batalhas em defesa das fronteiras brasileiras, como na Guerra entre Brasil e Paraguai.
Mas os grandes feitos dos povos indígenas não são reconhecidos na grade curricular do ensino de história do país. Uma negação que se presta à compreensão equivocada da importância dos povos originários e ao não reconhecimento da pluralidade do tecido demográfico do país. Vive-se um momento de inversão do lema do Marechal Rondon — “Morrer se preciso for, matar jamais” — em relação às comunidades indígenas.
Apesar das agressões contínuas, eles sobreviveram e seguem na luta pela vida. Respondem à violência atuando como guardiões do patrimônio natural do país. Não fossem eles, a Amazônia teria sido desertificada. Hoje, a substituição da política ambiental por estímulos à degradação da floresta tem trazido efeitos danosos à vida, à economia, ao social e à imagem do Brasil no cenário internacional. É preciso dizer “não” ao Projeto de Lei 490, pois vidas indígenas importam e devem ser respeitadas.