» NELSON MUSSOLINI - Presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde
A pandemia entristeceu o país pelas centenas de milhares de pessoas que se foram e as que ainda estão, infelizmente, sendo vitimadas pelo novo coronavírus. Portanto, é um dever que se impõe sempre prestar solidariedade às famílias que experimentaram o infortúnio de perder seus entes queridos. Ao mesmo tempo, esse terrível surto tem mostrado ao país facetas positivas e apontado algumas formas de resolver os urgentes problemas nacionais.
O notável trabalho de médicos, enfermeiros, hospitais, clínicas e todos os profissionais de saúde que atuam e atuaram no front da pandemia precisa ser enaltecido. Cabe mencionar também o importante papel desempenhado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento da população.
Mas quero destacar aqui uma prática que se mostrou especialmente valiosa nesses tempos de pandemia de Sars-CoV-2: a negociação. Sou um ferrenho defensor do diálogo e da negociação como melhor maneira de resolver problemas e litígios. Fiz minha carreira profissional patrocinando esse procedimento e posso afirmar que não há jeito melhor de solucionar questões complexas e delicadas.
O enfrentamento da covid-19, naquilo que se mostrou seu ponto fundamental — a descoberta e a produção em larga escala de vacinas para combatê-la —, deixou isso claro como a luz do dia. Não fosse a disposição para negociar da parte de indústrias farmacêuticas nacionais e internacionais, dos centros de pesquisa e das autoridades brasileiras e mundiais, o drama da pandemia teria sido ainda maior.
A transferência de tecnologias para a produção no Brasil de vacinas contra a covid-19 está sendo decisiva para o controle da pandemia no país. Oitenta por cento dos milhões de doses aplicadas e registradas na base nacional do Programa Nacional de Imunizações (PNI) resultaram desses acordos de transferência de tecnologias. E as dezenas de milhões de doses adicionais de vacinas já aplicadas foram produzidas por outras grandes indústrias farmacêuticas internacionais, em contratos que estão sendo rigorosamente cumpridos.
Essa é a realidade. Benéfica e vantajosa para o povo brasileiro. No mundo da fantasia, e fazendo uma aposta gratuita no confronto e na imposição pura e simples, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei — em boa hora vetado parcialmente pela Presidência da República — que permitia o licenciamento temporário de patentes de vacinas e medicamentos contra a covid-19 e em outras emergências de saúde.
Um grande equívoco, pois a suspensão dos direitos de propriedade intelectual não resultará na ampliação imediata da oferta de vacinas no país (e no mundo), considerando a complexidade tecnológica e o tempo necessário para a instauração do processo e a Lei de Patentes brasileira, que contempla o licenciamento compulsório de medicamentos em casos de emergência sanitária. O mais grave é que, além de inviáveis e desnecessárias, as medidas vetadas poderiam instaurar um ambiente de insegurança jurídica, ameaçando as atuais parcerias e bloqueando as futuras (algumas em curso) que de fato podem acelerar a produção de vacinas e medicamentos para a atual e futuras pandemias.
Sobre esse último aspecto, foram especialmente acertados os vetos às alterações propostas nos artigos 8º, 9º e 10º da Lei de Propriedade Industrial em vigor. Os dispositivos vetados ferem os direitos de empresas nacionais e internacionais detentoras de patentes de medicamentos e vacinas, ao obrigá-las a efetuar a transferência de know-how; e afrontam os direitos das indústrias farmacoquímicas e dos fabricantes de materiais biológicos, ao obrigá-los a fornecer os insumos de medicamentos e vacinas.
Felizmente, no caso da produção e do fornecimento de vacinas contra a covid-19 no Brasil, o entendimento está prevalecendo e o país tira grande proveito disso, na forma de produtos cuja oferta ampla está criando as condições para o controle efetivo da pandemia. Uma demonstração de que negociações claras e objetivas, que contemplam os legítimos interesses de todas as partes, podem, sim, atender aos mais altos interesses nacionais e às aspirações da sociedade brasileira.