William Saad Hossne, foi médico e professor titular emérito da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista. Membro do Comitê Internacional de Bioética da Unesco, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e coordenador dos cursos de mestrado e doutorado em bioética do Centro Universitário São Camilo, São Paulo.
Entre suas muitas contribuições aos saberes e à educação, o saudoso professor Saad, falecido no dia 13 de maio de 2016, aos 88 anos de idade, destacou-se pela militância espinhosa numa área polêmica, embora estratégica, para a própria evolução da sociedade. Ao optar pela bioética, ele mergulhou num campo transdisciplinar, que envolve a biologia, as ciências da saúde, a filosofia e o direito.
Com essa sólida base, a bioética estuda a dimensão ética dos modos de tratar a vida humana e animal, em pesquisas científicas e suas aplicações. Em outras palavras, busca aliar uma perspectiva humanista aos avanços tecnológicos na área da saúde, entre os quais despontam temas delicados — e ainda não consensuais —, como clonagem, fertilização in vitro, transgênicos, pesquisas com células-tronco e outros.
A questão da ética na pesquisa científica com humanos ganhou relevância após a Segunda Grande Guerra, quando vieram à luz os macabros experimentos realizados nos laboratórios nazistas. Ciclicamente, o tema volta ao debate, pois, cada salto da ciência cria problemas éticos, que não podem ser resolvidos só por cientistas de uma área. É necessário chamar as outras disciplinas para criar um balizamento ético. Se não tomarmos esse cuidado, a sociedade pode se autodestruir.
Recorrendo à generosa partilha de ideais, que o professor Saad promoveu ao longo dos seus bem vividos 88 anos, sabemos que, no século XX, aconteceram pelo menos cinco revoluções: a atômica, a molecular, a das comunicações, a do espaço sideral e a da nanotecnologia. Agora, anuncia-se uma nova revolução, resultante da integração das anteriores, intimamente associadas no que se pode chamar de tecnociência.
Isto significa que ambas se potencializam. Os sinais da sexta revolução estão aí, no dia a dia, e não são difíceis de perceber por um olhar mais atento. A ética da sexta revolução herdará algumas características da bioética, a qual implica a existência de liberdade para a opção de valores. Coação, coerção, sedução, exploração, manipulação ou qualquer mecanismo de inibição a essa liberdade são fraudes incompatíveis com o exercício ético.
O exercício da bioética exige condições que vão além da liberdade e se consubstanciam em características que permitem a resolução de conflitos que, inevitavelmente, acompanham os avanços da ciência. São elas, basicamente, valores que sempre pautaram as grandes conquistas da humanidade: humildade, grandeza, prudência e solidariedade. “Como referencial, a solidariedade se articula com os demais referenciais da bioética: autonomia, justiça, equidade, vulnerabilidade, não maleficência, beneficência, prudência (phronesis e sophrosyne), alteridade, responsabilidade, altruísmo”, indicou Saad em trabalho publicado na revista BioEthikos.
Seus escritos mostram que ele também gostava de filosofar. Assim, pergunta: o que faremos com tanto poder? E ele mesmo se corrige: ou melhor, o que faremos nós mesmos? Cita o historiador inglês Eric Hobsbawm, no livro Tempos interessantes, lembrando que o mundo não vai melhorar sozinho. Mas, certamente, melhorará — e muito — se contar com a ajuda de homens da qualidade do saudoso professor William Saad Hossne, o guardião da bioética.
Termino citando Fernando Pessoa numa de suas reflexões: “O valor das coisas não está no tempo que duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.
William Saad foi uma dessas pessoas.
*Ruy Alteinfelder é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e presidente emérito do Centro de Integração Empresa Escola (Ciee)