opinião

Artigo: Fake news matam

Rodrigo Craveiro
postado em 29/09/2021 06:00

Há 15 dias, o presidente Jair Bolsonaro declarou que fake news fazem parte de nossas vidas. “Hoje em dia, fake news morre por si só. Não vai para a frente”, disse o presidente. Notícias falaciosas até podem se enfraquecer e morrer com o passar dos dias, semanas, meses ou anos. O problema é que, nesse intervalo de tempo, as fake news também podem matar ou destruir a vida de pessoas.

Eu estava no primeiro ano do curso de jornalismo, na Universidade Federal de Goiás, quando o chamado caso Escola Base explodiu. Um casal de proprietários de uma instituição de ensino infantil e o motorista do transporte escolar foram acusados por duas mães de fazerem orgias com estudantes de 4 anos. A imprensa embarcou na história, um escândalo que renderia manchetes, sem verificar os fatos. Jornalistas adotaram as denúncias como uma verdade e desgraçaram a vida de inocentes.

Neste caso, foi um erro absurdo de apuração jornalística, o qual despertou intensos debates éticos. Mas o exemplo da Escola Base oferece a exata medida de como notícias falsas podem impactar a vida das pessoas.

Sim, fake news matam. Entre os quase 600 mil brasileiros mortos pela covid-19, muitos deles acreditaram fervorosamente nas notícias mentirosas de que a cloroquina e a ivermectina seriam tratamentos eficazes, que ajudariam a extirpar o coronavírus de seus corpos. Mas os medicamentos, como a própria ciência comprovou, não têm qualquer eficácia contra o Sars-CoV-2. Alguns dos pacientes desenvolveram, inclusive, lesões hepáticas. Muitos dos brasileiros que morreram de covid-19 um dia receberam mensagens, por meio de WhatsApp, assegurando-lhes que as drogas impediriam um avanço agressivo da doença. Denúncias apontam que tais fake news conduziram o modus operandi de um plano de saúde especializado em idosos, uma receita para o desastre.

Até mesmo fake news que surgem em pequena escala podem assumir proporções aterradoras. Guarujá (SP), 5 de maio de 2014. Fabiane Maria de Jesus, 33 anos, é amarrada, arrastada pelas ruas e linchada depois que boatos espalhados por uma rede social davam conta de que ela sequestrava crianças. Até maio deste ano, a família de Fabiane, que teve o rosto desfigurado, luta por indenização do Facebook, a quem acusa de deflagrar o assassinato coletivo. Fake news não são inofensivas, como políticos querem fazer a população acreditar. Quase sempre as notícias manipuladas são espalhadas com um propósito específico. Quase sempre alguém tira vantagens pessoais de fake news, sejam elas eleitoreiras ou financeiras. Quem dissemina notícias falsas compactua com a mentira e não pode se eximir de suas consequências.

Espero que o Congresso e o Judiciário trabalhem com rigor na contenção e na coibição de informações inverídicas. As redes sociais têm cumprido o seu papel, ainda que timidamente, no rastreio e no banimento das fake news. O ex-presidente norte-americano Donald Trump teve as contas no Facebook e no Twitter desativadas por conta de publicações mentirosas. Que isso se repita no Brasil, se houver necessidade. Para a nossa segurança e a nossa sanidade mental. E para o bem da verdade.

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