NEUSA MARIA - Psicóloga, especialista em saúde mental, membro da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
O racismo é um dos maiores fatores de risco para o suicídio. O impacto para a população negra é imenso, pois “ser negro, é um marcador social”. A sociedade cria padrões sociais inalcançáveis e poucos se preocupam como esses padrões influenciam a vida dos jovens, que adoecem e criam gatilhos, principalmente os negros. Como escreveu Carolina Maria de Jesus, “As crianças ricas brincam nos jardins, com seus brinquedos, as crianças pobres acompanham as mães a pedirem esmolas”.
O jovem negro é criado imbuído em toda essa desigualdade. A sociedade diz que ele precisa ser forte e viril e qual o lugar que ele deve ocupar. Ele cresce sendo condicionado a não expressar os seus sentimentos e sua dor. Não há diálogo. Não se nega ao negro a liberdade, que, supostamente, veio com a abolição. Mas há uma dicotomia, porque a sociedade retira dele a oportunidade de existir, de ser quem ele é, ser aceito, sentir-se pertencente e viver com dignidade humana. O discurso racista vai se legitimando, naturalizando, adoecendo.
Não há a necessária prevenção em saúde mental e a taxa de mortalidade é imensa. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos, um jovem morre por suicídio no mundo. Ainda temos as subnotificações, dificuldades para dados com recorte de raça e uma política genocida que fortalece esse fenômeno. A própria sociedade condiciona esses jovens para a morte. “Quando nascemos já morremos” de morte subjetiva, de marcadores sociais, de racismo, de construções sociais excludentes.
O negro perde o direito a sonhar, frequentar escola, faculdade, ocupar espaços de poder, ter uma vida. Os estereótipos sociais o impedem de ser visto como ser integral. Há um sofrimento normatizado, porque é “só um corpo negro” que pede socorro, grita, mas é sufocado e silenciado pelo racismo estrutural e suas mazelas que, desumanamente, podem desencadear em suicídio.
Desde a abolição não foram criadas medidas para inserir a população negra concretamente. Não houve políticas afirmativas em todos os âmbitos. Não há justiça social, igualdade racial, mas, sim, exclusão, o que fortalece uma cadeia que se retroalimenta. O racismo no Brasil age sobre os jovens negros como uma rotina intensa e diária de dor e adoecimento.
Para Carolina Maria de Jesus, “o negro só é livre quando morre”. Esta frase ilustra o banzo, a privação de liberdade e o sentimento de aprisionamento que, até hoje, se perpetuam. Um panorama gravíssimo é alimentado pelo racismo estrutural, por um lugar de desvantagem, que produz violência e morte, que nega ao negro um dos principais e mais importantes direitos: o direito à vida.
No suicídio, não há uma intervenção terciária, posvenção — quando tratamos os danos dos que ficam — e, quando isso acontece, as intervenções primárias, secundárias e redes falharam. Não houve um programa de prevenção efetivo. Nós falhamos. A voz dessa pessoa foi silenciada de forma irremediável. Só resta o luto e a urgência de medidas que descortinem o fenômeno para que se possa pensar em ações intersetoriais, gerando dados para criação de políticas públicas de prevenção que tragam à luz um fenômeno que precisa ser estudado, prevenido e combatido. “O luto é uma forma cruel de aprendizagem” (Chimamanda Adichie).
Os fatores de riscos são raciais, sociais, estruturais, psicológicos, biológicos, clínicos e emocionais, tentativas anteriores são um dos principais fatores de risco. O suicídio é um tema complexo, tabu, como já vimos, multicausal. Segundo a OMS, o suicídio é a segunda maior causa de morte de jovens no mundo entre 15 a 29 anos, com um perfil característico: sexo masculino, negro (a maioria, homens), com conflitos interpessoais, dificuldades de lidar com perdas, desemprego. No Brasil Colônia, já havia registro de suicídio como consequência da escravidão. O racismo e o não pertencimento são determinantes de saúde/doença. Os corpos negros sucumbem a toda essa pressão social.
No Brasil, em relação ao suicídio dos jovens negros, percebemos que a estrutura racista sustenta o suicídio, o fim. E, por isso, a necessidade de se trabalhar por uma sociedade antirracista, por políticas públicas transversais e interseccionais, por uma escuta efetiva que possibilite a empatia, e por uma rede de apoio que forneça suporte e prevenção em saúde mental, compreendendo e combatendo este fenômeno. “O sol não esquenta mais o meu corpo/ Não sinto a vida em mim/ Peço socorro, mas ninguém escuta/ A invisibilidade me machuca o silenciamento só aumenta a minha dor”, poema meu para fechar este texto que é um grito no silêncio sobre o suicídio.
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