LIVI GERBASE*
Não é desta vez que o governo vai revisar os R$ 300 bilhões que deixa de arrecadar por ano com incentivos fiscais
O governo federal enviou ao Congresso, no último 15 de setembro, um projeto de lei que propõe um Plano de Redução Gradual de Incentivos e Benefícios Fiscais Federais. Tal plano estava previsto na Emenda Constitucional (EC) 109 , aprovada em março deste ano. Quando foi proposto, a ideia era promover responsabilidade fiscal não só por meio de cortes de despesas, mas também via redução nos incentivos fiscais, que custam mais de R$ 300 bilhões por ano aos cofres públicos e afetam o deficit primário e o financiamento de políticas públicas.
Em contraposição a esse objetivo declarado, o plano apresentado não visa uma diminuição substancial dos incentivos. Foi realizada uma interpretação restritiva da EC 109, que reduziu o possível impacto do plano nas contas públicas: em cima de uma estimativa de R$ 307,9 bilhões de incentivos fiscais para 2021, o plano propõe uma redução de apenas R$ 22,4 bilhões nos próximos cinco anos. A expectativa criada com a aprovação da EC 109 era de redução, em oito anos, de 50% do total de incentivos fiscais, que cairiam de 4% para 2% do PIB.
O plano também não possui explicações sobre qual foi o processo de escolha de quais incentivos serão cortados. Como são políticas públicas, assim como as despesas diretas do governo, esses gastos indiretos deveriam passar por um processo de avaliação pautado por objetivos e metas, para que fossem elencados critérios para a redução ou renovação de cada incentivo.
Indo para a realidade, a justificativa que aparece no Projeto de Lei é simplesmente não renovar os incentivos que estão com prazos próximos ao fim, além dos já discutidos na proposta de Reforma do Imposto de Renda, elaborada pelo Ministério da Economia. Metade dos incentivos fiscais nem entrou no Plano por te sido colocada como exceção na EC 109, como os da Zona Franca de Manaus e o programa Simples Nacional.
Não houve critérios para a escolha dos incentivos, pois não há transparência nos incentivos fiscais, isto é, não sabemos que empresas recebem os incentivos. Isso impede não só avaliações governamentais, mas também o escrutínio da sociedade, que não sabe para onde estão indo os seus recursos. Se não são monitorados, essses incentivos passam a ser privilégios fiscais, muito diferentes dos gastos diretos do governo federal, que são constantemente monitorados por meio de processos orçamentários anuais.
É nesse sentido que o Inesc, FIAN Brasil, ACT Promoção da Saúde e Campanha Contra os Agrotóxicos, com apoio da Purpuse, lançaram recentemente a campanha Só Acredito Vendo, que visa à aprovação do PLP 162/2019, o qual obriga a Receita Federal a divulgar os beneficiários dos incentivos fiscais. O PLP passou no Senado e, agora, está a caminho do plenário da Câmara dos Deputados.
A Só Acredito Vendo analisa também incentivos federais que são danosos ao meio ambiente e à saúde – são concedidos anualmente cerca de R$ 4 bilhões à indústria de refrigerantes, R$ 1,7 bilhão aos agrotóxicos e R$ 20 bilhões à produção de petróleo e gás. No PL, esses incentivos não serão cortados, enquanto o plano propõe o fim da Lei de Incentivo ao Audiovisual, principal fonte de financiamento do cinema brasileiro. O critério “não renovar os incentivos que estão findando” não parece ser o melhor para enfrentar os problemas de um país em crise sanitária, ambiental, econômica e social.
Precisamos, urgentemente, de um processo sério de revisão dos incentivos fiscais, que aumente o espaço fiscal para políticas públicas e garanta que os incentivos dados às empresas de fato beneficiem as pessoas e promovam emprego e renda. Não veio desta vez. A proposta é mais um atestado da vontade do governo federal de manter os privilégios das elites econômicas em detrimento de investimentos em políticas sociais no Brasil.
*Mestre em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
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