» Heloísa Morel Diretora executiva do Instituto Península
Não é à toa que o debate sobre saúde mental ganhou corpo no último ano. O desafio precedia à covid-19, certamente. Porém não preocupava tanto toda a sociedade como hoje, quando muito se tem falado sobre a ansiedade provocada por diferentes efeitos da pandemia e do isolamento social. No âmbito profissional, além de todas as questões associadas à pandemia, trabalhadores de diversos setores se veem exaustos pela nova dinâmica configurada com o trabalho remoto. A Síndrome de Burnout, um distúrbio que atinge diversos profissionais, ganhou mais força e voltou à pauta. Na educação, esse cenário não é diferente: ainda sem solução, o esgotamento físico e emocional dos professores é uma constante há anos. Mas a visibilidade recém-adquirida do distúrbio no Brasil, bem como a redução do estigma relacionado à saúde mental, pode nos ajudar, agora, a encontrar caminhos para poupar os educadores da Burnout de uma vez por todas.
É impossível ignorar que, cada vez mais, professores, fundamentais na formação e transformação da realidade das nossas crianças e jovens, estão esgotados por conta do trabalho. A recorrência da síndrome entre docentes levou o Instituto Península a investigar o assunto. Por isso, revisou e mapeou sistematicamente mais de dois mil papers científicos sobre Burnout no Brasil, compreendendo a experiência de mais de 4,5 mil professores em sala de aula entre 2003 e 2020, todos com intervalo entre 10 e 60 horas/aula por semana.
Os resultados mostram que a Burnout está presente entre os professores brasileiros há quase duas décadas. O exercício da docência sempre foi e continuará sendo muito desafiador, mas o ponto de atenção é que o distúrbio nunca foi endereçado da maneira adequada e sistêmica. Segundo a pesquisa, mesmo sendo uma síndrome muito presente, a prevenção do Burnout não faz parte da formação inicial e raramente aparece na formação continuada de educadores, ou no debate das políticas públicas.
Se o desafio faz parte e sempre existirá nesse ofício, por que não desenvolver técnicas para os professores lidarem com as diferentes pressões que recebem ao longo da carreira? Hoje, o que se faz é apenas cuidar do problema quando ele eclode, ou seja, quando provoca o afastamento de um educador. Isso não é solução, é um paliativo.
Precisamos apoiar o desenvolvimento contínuo dos docentes para os desafios que encontrarão na sala de aula e fora dela. O Brasil tem a oportunidade de olhar de maneira preventiva e propositiva para prevenir o Burnout em professores. Ao reforçarmos os campos da formação e da gestão, ajudamos os profissionais da educação a lidarem melhor com os desafios da profissão, não apenas “curando” a síndrome quando já é tarde.
Além disso, a pesquisa aferiu que a Burnout coexiste com a satisfação profissional dos professores. Ou seja, mesmo quando sofre com esgotamento físico e mental, o professor, geralmente, mantém o orgulho e celebra o fato de ser educador. É uma dicotomia que pode esconder as graves consequências da síndrome. Mesmo com o cenário desafiador diário, grande parte dos professores acredita que pode ser melhor, que todo aluno pode aprender e que o clima em sala de aula é um dos componentes mais importantes para manter a motivação dos alunos. Vale ressaltar a importância do bom clima em aula, apontada por 95,2% dos professores entrevistados pelo IP na pesquisa O Bom Professor, para a excelência no exercício da profissão e aprendizado.
Portanto, se não há educador pleno, o clima da sala de aula não será o ideal e, portanto, dificilmente haverá relação de aprendizagem. Indo além, isso provavelmente prejudicará o clima da escola, o lugar que deveria ser oásis de desenvolvimento e conhecimento coletivo. Isso é um agravante para a síndrome, afetando não só a saúde mental dos professores, mas também o ensino.
Burnout é uma síndrome séria que não pode ser ignorada. É um distúrbio que pode ser prevenido, que deve ser evitado e que precisa da atenção dos gestores porque desafios recorrentes de sala de aula e as variáveis incontroláveis são uma constante no ofício do professor no contexto brasileiro. E, para isso, é vital ouvir os docentes de forma qualificada. São eles que estão nas salas de aula, na linha de frente com os alunos, por longos períodos, e podem apontar soluções para melhorar o seu dia a dia além de enriquecer as discussões sobre políticas públicas de formação e de desenvolvimento profissional docente.
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