CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO Advogado. Professor de direito constitucional. Autor de A democracia em crise no Brasil
O Brasil teve governos ruins. O de Bolsonaro se individualiza por ser o primeiro da história nacional que atua decididamente contra os interesses da população. A sabotagem sistemática ocorre em todas as áreas. O caso mais grave é o do combate à pandemia. Bolsonaro não apenas postergou a aquisição das vacinas: boicotou os esforços dos governos estaduais e municipais, desinformou a população quanto à gravidade da doença e desestimulou a adoção das medidas sanitárias recomendadas pela ciência.
A morosidade em deflagrar a campanha de vacinação permitiu que a pandemia não só levasse à morte milhares de pessoas, mas, também, conduzisse à falência um sem-número de empresas e ao desemprego milhões de trabalhadores. Agora, ao renovar ameaças de golpe de Estado, Bolsonaro joga uma pá de cal sobre a expectativa de retomada do crescimento econômico, que já se atenuava em decorrência da frustração de uma “nova onda das commodities” e do incremento do risco de racionamento de energia elétrica.
A situação econômica brasileira é grave. A inflação acumulada nos últimos 12 meses chegou a 9%. A taxa Selic, hoje em 5,25%, deve alcançar 7,5% no final de 2021. O dólar está cotado a R$ 5,19. O desemprego chegou a 14,6%. O Brasil retornou ao mapa da fome: hoje, 19 milhões de brasileiros passam fome e 119 milhões se submetem a algum grau de insegurança alimentar. O mínimo que se esperaria de um governante comprometido com o bem-estar da população é que não criasse mais problemas. Mas o atual mandatário os cria em profusão inédita.
Empreendedores privados buscam minimizar seus riscos. Ambientes políticos instáveis levam-nos a adiar investimentos. Para os empreendedores que anseiam por estabilidade, Bolsonaro entrega ameaças de ruptura institucional, acelerando a espiral de decadência política e econômica em que o Brasil, há anos, está enredado. No meio empresarial, seu círculo de apoiadores é cada vez mais estreito, e mesmo os que remanescem não materializam o apoio em novos investimentos, compartilhando do pessimismo geral quanto ao futuro próximo da economia.
As diatribes recentes de Bolsonaro foram rechaçadas em manifestos publicados por entidades representativas de diversos setores produtivos. O manifesto publicado pelas principais associações do setor agrícola pode ter surpreendido quem viu, há poucos dias, Sérgio Reis incitar ataques ao Supremo Tribunal Federal, falando em nome de um conjunto de produtores de soja. Mas as entidades que subscreveram o manifesto conferiram prioridade ao interesse maior de autopreservação de seus representados: sabem que uma ruptura institucional converteria o Brasil em um Estado pária, do que resultariam sanções econômicas especialmente nocivas à atividade agroexportadora.
Apesar dos apelos por moderação, Bolsonaro parece decidido a persistir em seus achaques às instituições. Com eles, obtém o benefício de deslocar o foco do debate público, que se concentrava, havia meses, nas vexatórias informações reveladas pela CPI da Covid a respeito da negociação de propina para aquisição das vacinas. Ademais, evita que a opinião pública se ocupe do aumento dos preços do botijão de gás, da gasolina, da eletricidade, da cesta básica. Bolsonaro, ao distrair a opinião pública com suas teorias da conspiração e inimigos imaginários, impede que, finalmente, voltemos a tratar de nossos problemas reais.
A estratégia, porém, é como a terapia que pode matar o paciente: ao provocar instabilidade institucional, Bolsonaro estimula também a prevenção dos setores pragmáticos da política parlamentar, reunidos no chamado Centrão. Quem governa pela força não depende de acordos para formar maiorias congressuais. Se a política representativa sucumbe, o Centrão perde sua moeda de troca e, por conseguinte, sua própria razão de ser. O grupo não tem qualquer vocação para receber passivamente o “abraço do afogado”. Ao agravar a crise econômica e ameaçar a política representativa, Bolsonaro incrementa a possibilidade da instauração de processo de impeachment.
Neste Sete de Setembro, o presidente estará isolado com sua claque. Apenas apoiadores radicalizados comparecerão às manifestações. A amplitude política alcançada pelo então candidato nas eleições de 2018 já se dissolveu quase completamente.
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