opinião

Visão do Correio: Em busca do entendimento

Pelo menos dois ex-presidentes, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, se movimentam em busca de uma possível distensão na tumultuada relação entre o presidente Jair Bolsonaro e o Judiciário. Temer foi quem melhor sinalizou o caminho para o entendimento entre os Poderes no país. O apaziguamento, defendeu ele, exige recuo por parte de cada um dos atores envolvidos na querela política. É urgente e imperiosa a necessidade de frear a escalada autoritária de desrespeito à harmonia, sobretudo, entre Executivo e Judiciário. “Quanto há desarmonia, há inconstitucionalidade”, afirmou.

Em entrevista ao Correio Braziliense, Fernando Henrique observou que, em seus 90 anos de vida, acompanhou de perto várias crises. “Nos tempos de Getúlio ou de João Goulart, era diferente”, disse. Naquela época, observou, a sociedade estava rachada e, nas ruas, havia gente disposta a matar e a morrer. Hoje, na avaliação de FHC, um dos líderes políticos brasileiros mais influentes e respeitados no país e no mundo, os ataques do chefe do Executivo ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao sistema eleitoral são mais retórica verbal do que, propriamente, ameaças à democracia. Ele disse, também, não acreditar que, no atual momento, haja sentimento contra a democracia na população ou tendência nas Forças Armadas de apoio a uma aventura golpista.

Discretamente, tanto FHC quanto Temer estariam empenhados na pacificação dos Poderes. Os dois teriam, inclusive, enviado emissários para sondar o humor da cúpula militar no Exército, na Marinha e na Aeronáutica. Da caserna, os sinais que obtiveram é de que não há disposição de apoio a eventual ruptura democrática. Mas há preocupação com o esticar de corda entre o chefe do Executivo e o STF. Reservadamente, os comandantes se mostram preocupados com o comportamento de Bolsonaro. E, também, expressam descontentamento com ações do Supremo que estariam em desacordo com a Carta Magna, como a abertura do inquérito das fake news, com base no regimento interno da Corte, enquanto a Constituição estabelece que tal competência é privativa do Ministério Público.

Nos últimos dias, governadores agiram para tentar apaziguar a situação. Mas esbarraram na resistência do Planalto, que enxerga a iniciativa mais como autopromoção do que como um gesto pacificador. Outros dois acenos à conciliação, esses mais concretos, partiram do Senado. Num deles, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), arquivou pedido de Bolsonaro para a abertura de processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo das fake news no Supremo, no qual o chefe do Poder Executivo é um dos investigados. No outro, senadores aprovaram a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, garantindo-lhe mais dois anos no cargo.

No entanto, a despeito dessas iniciativas, a escalada de tensão aumenta. Um exemplo são as manifestações convocadas para o 7 de Setembro. Apoiadores do governo e da oposição convocam a população às ruas. É preciso que as vozes do bom senso se levantem, antes que o conflito passe da retórica à violência. Até aqui, a mais propositiva de todas elas é a do ex-presidente Temer: uma solução possível para o conflito passaria por um recuo de cada uma das partes. Do lado do STF, o inquérito das fake news aparece como o ponto fora da curva mais visível de todo o imbróglio.

No caso do Planalto, existe a obsessão de Bolsonaro em atacar as urnas eletrônicas e em defender o voto impresso. Em relação a esse quesito, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, sinalizou um entendimento, propondo que integrantes das Forças Armadas e representantes da sociedade civil possam acompanhar mais de perto o processo eleitoral. São atitudes que podem não resultar no fim da crise entre Executivo, STF e Justiça Eleitoral. Mas, certamente, contribuiriam para desarmar ânimos, fortalecer o Estado Democrático de Direito e enfraquecer eventuais flertes golpistas.