opinião

Visão do Correio: Tragédias no asfalto

Tragédia cotidiana acompanhada de sucessivas promessas, as rodovias federais que cortam o país há muito clamam por atenção e, mais que isso, investimento. Porém não é o que vem ocorrendo em um sistema que há décadas não tem expansão ou adequação significativas. Levantamento feito pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) mostra que entre 2019 e o ano passado, para ficar em um recorte mais recente, foram construídos pela União apenas 315,4 quilômetros de estradas — tímido acréscimo de 0,6% ao sistema que existia em 2018.

Quando se trata de obras de duplicação, a situação pouco muda: as intervenções entre 2019 e 2020 corresponderam a um aumento de cerca de 280 quilômetros na estrutura existente. Muito pouco em um país de dimensões continentais, onde a soma de rodovias com tráfego em vias segregadas representa menos de 6% da malha federal sob gestão pública, ainda segundo a entidade ligada ao ramo de transportes.

Os resultados aparecem em outro indicador: o dinheiro não investido na segurança viária é cobrado em vidas e prejuízos materiais. Em 2020, segundo mais um estudo da CNT, o custo estimado de todos os acidentes em rodovias federais brasileiras foi de R$ 10,22 bilhões. Duplicação de pistas e melhorias na pavimentação, sinalização e iluminação, entre outras ações, poderiam ajudar a reduzir essa conta e aliviar o sofrimento de famílias de vítimas do asfalto.

Esperança nesse sentido vem de pacote do governo federal que promete cerca de R$ 250 bilhões em investimentos, por meio de concessões na área de transporte do país até o fim do ano que vem. Nesse contexto, chama a atenção a perspectiva de melhorias em uma estrada que se tornou conhecida, e temida, por todos os brasileiros, tanto que ganhou em seu trecho mais crítico o título de Rodovia da Morte: a BR-381.

Anúncio feito nesta semana pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, de que o edital de concessão da rodovia no trecho Belo Horizonte/Governador Valadares, assim como da BR-262 (João Monlevade/Viana, no Espírito Santo), será entregue em 1º de setembro, representa mais que esperança de melhorias em quase 700 quilômetros de interligação entre dois estados por estradas de importância nacional.

Do ponto de vista da segurança no trânsito, é um alento para motoristas de todo o país, que, eventualmente, trafegam pelas pistas de Minas Gerais, estado de maior malha viária do Brasil, ou que dependem de cargas transportadas por elas. Do ponto de vista da cidadania, é uma promessa a ser cumprida com décadas de atraso, agravadas por milhares de brasileiros mortos em desastres.

No estado que concentra a maior extensão de rodovias federais, dos 7.103 acidentes com vítimas no ano passado, 2.145 ocorreram na BR-381 — a que concentra mais ocorrências e também a que mais mata. Essa tragédia sempre foi acompanhada de promessas de duplicação — uma verdadeira novela que teve importante capítulo em 2008, com a inclusão do empreendimento no Programa de Aceleração do Crescimento. Porém, desde então, obras começaram e foram interrompidas, trechos foram abandonados e pouca coisa foi concluída.

É imperioso que a situação das estradas no país deixe de ser parte de eternos protocolos de intenção. O pacote federal de concessões que inclui parte da ligação Minas Gerais-Espírito Santo traz esperança, mas também deve deixar os brasileiros vigilantes. É preciso cobrar que mais essa esperança não fique apenas na promessa — um papel de fiscalização que cabe também aos parlamentares federais. Só assim será possível pôr freio à carnificina em ligações rodoviárias tão importantes para todo o Brasil.