ARMANDO CASTELAR*
“Tapering”, termo que pode ser traduzido como um gradual estreitamento, virou parte do economês, o jargão dos economistas, a partir de 2013, quando Ben Bernanke, então presidente do Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos, o usou para anunciar que começaria a reduzir gradualmente as compras mensais de títulos públicos e hipotecas.
Essa política, que implicava imprimir e injetar dezenas de bilhões de dólares na economia, fora inaugurada em resposta à grande crise financeira internacional de 2008 e 2009, e ninguém sabia bem como a economia reagiria à redução desses estímulos.
O anúncio provocou um estrago, especialmente nas economias emergentes. O Brasil, então classificado pelo Fed como um dos mais frágeis e vulneráveis desse grupo, sentiu bastante: o risco-país (0,85 ponto percentual) e os juros (1,85 ponto percentual) subiram, e o câmbio desvalorizou 20%.
Não deveria surpreender, portanto, que o mercado financeiro esteja outra vez apreensivo com a perspectiva de que o Fed anuncie, em breve, que vai, de novo, reduzir suas compras de títulos, depois de ter outra vez recorrido a injeções gigantes de dólares na economia, em resposta à crise desencadeada pela pandemia da Covid-19. Atualmente, são compras de US$ 120 bilhões ao mês. Não é pouco dinheiro. Mas difícil justificar, quando a inflação americana está alta, as expectativas acima da meta, o desemprego caiu bastante e as condições financeiras estão superexpansionistas.
Semana passada o Fed divulgou a ata da última reunião de seu Comitê de Política Monetária, o Fomc, causando alvoroço ao revelar que “a maioria dos participantes pensou que poderia ser apropriado começar a reduzir o ritmo de compra de ativos este ano”, desde que a economia evolua como o esperado. Isso na sequência de vários diretores do Fed declararem de público ser adequado iniciar o “tapering” ainda este ano. Tudo isso gerou grande expectativa sobre o que falará Jerome Powell, o presidente do Fed, nesta sexta-feira, no seminário anual que o BC dos EUA promove em Jackson Hole.
Por aqui, o BC já se adiantou e, no último Relatório Trimestral de Inflação, publicou uma análise de quais seriam os impactos desse movimento na inflação brasileira (https://bit.ly/3km3nAJ). Como em 2013, a expectativa é de que o câmbio desvalorize e a inflação suba. Vai ajudar desta vez que, ao contrário de 2013, nossas contas externas estão equilibradas e a taxa de câmbio já está muito desvalorizada, tornando mais arriscado apostar contra o real.
Mas muito depende de se o choque será transitório ou duradouro. Neste segundo caso, a coisa complica, pois, além de a inflação subir bastante, a taxa de juros neutra também sobe, e controlar a alta de preços exigirá uma escalada ainda maior da Selic. E, com as quedas já observadas no apetite pelo risco dos investidores, devido à nova onda da covid, provocada pela variante delta, o anúncio de um novo “tapering” vai tornar ainda mais desfavorável o cenário externo para o Brasil. O risco de um crescimento pífio do PIB em 2022 aumentaria bastante.
Por outro lado, essa mesma nova onda pode servir para adiar um pouco o anúncio do “tapering”. Hoje, a expectativa é de que esse ocorra na reunião do Fomc em final de setembro ou, o que é mais provável, na reunião seguinte, no início de novembro.
Isso pois, assim o Fed poderia comprovar que o mercado de trabalho norte-americano está mesmo em forte recuperação, como sugerido pela geração de empregos em julho, e que a inflação segue alta. Mas, se como parece temer parte do mercado financeiro, a nova onda provocar uma reprise, ainda que mais moderada, da recessão do início de 2020, o Fed pode acabar adiando o anúncio do “tapering”.
Nesse sentido, os resultados divulgados esta semana do Índice dos Gerentes de Compras (PMI, no inglês), mostrando uma perda de dinamismo da economia americana, em especial nos serviços, deve estimular o Fed a uma atitude cautelosa. O número de casos e mortes tem subido com força nos EUA, e isso tende a pesar na atividade, sendo outro estímulo à cautela.
Obviamente, somos apenas espectadores dessa história. Deveríamos, porém, aprender com a experiência de 2013 e buscar nos preparar, em especial, cuidando da questão fiscal, minimizando o ruído introduzido por propostas de reformas extemporâneas e sem a devida preparação. Em suma, reduzindo o risco que nós mesmos criamos. Também ajudaria, penso, se houvesse uma candidatura de centro nas eleições de 2022, o que reduziria o risco político, que de outra forma vai subir muito.
* Professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e Pesquisador Associado do IBRE