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Artigo: Marco Legal da Inteligência Artificial - as três premissas

LUÍSA CANZIANI

Com certeza você já teve contato com a Inteligência Artificial (IA) no seu dia a dia. Se consultou informações sobre a previsão do tempo na Internet, buscou a melhor rota para chegar a um destino ou desbloqueou o celular usando seu rosto, isso significa que recebeu ajuda da tecnologia. Esses exemplos parecem óbvios e banais, mas existem também muitas formas de usar IA no cotidiano — e muitas delas com grande potencial para melhorar a vida das pessoas.

A IA pode apoiar a sociedade a responder desafios para os quais ainda não encontramos uma solução definitiva. A tecnologia apoia médicos em diagnósticos antes impossíveis, auxilia pessoas com deficiência em tarefas cotidianas e se tornou ferramenta essencial para epidemiologistas em tempos de pandemia. Seu potencial de impactar positivamente a sociedade mundial é imensurável. Não por acaso, Andrew Yan-Takng, professor da Stanford University e uma das maiores autoridades em IA no mundo, afirma: “A Inteligência Artificial é a nova eletricidade”.

A tecnologia está tão presente na nossa vida que é um tema importante demais para não ser regulamentado. A União Europeia acabou de apresentar uma minuta de seu marco legal de IA. Os Estados Unidos já tornaram públicas suas recomendações para uma norma que estimula a autorregulação e medidas regulatórias setoriais. No Brasil, é necessário criar um ambiente seguro para os usuários, com transparência, ética e respeito aos direitos fundamentais, mas também para o poder público, para os desenvolvedores e para o setor produtivo, que exige segurança jurídica para inovar em um terreno mais sólido.

Uma regulamentação cuidadosa e equilibrada pode promover um ambiente melhor para todos. Para isso, precisamos assumir três premissas fundamentais. A primeira delas diz respeito ao contexto dinâmico. A tecnologia está em seu estágio inicial de desenvolvimento. Por isso, não podemos abordar a questão com um conjunto estático de regras. Temos que mitigar riscos sem engessar a inovação e sem limitar o potencial da IA. Em outras palavras, as iniciativas de políticas públicas inteligentes devem minimizar os aspectos negativos e amplificar os positivos.

A segunda premissa é a prudência. Embora a inteligência artificial possa apresentar novos desafios do ponto de vista regulatório, não há a necessidade de se reinventar a roda. Padrões internacionais podem servir de bases sólidas para o início dessa conversa. Adicionalmente, precisamos observar os marcos regulatórios já disponíveis para fins de abordagens setoriais.

Quem melhor que a agência reguladora da saúde para avaliar o uso de IA em dispositivos médicos? Ou o Banco Central para tratar de questões do mercado financeiro? Ou, ainda, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para temas relacionados à aviação? Esses órgãos possuem especialistas e normas que disciplinam seus respectivos setores. Precisamos de diretrizes que indiquem quando e como eles podem e devem intervir no que diz respeito à IA. Regras com potencial de impulsionar a adoção da tecnologia, priorizar a autorregulação e estimular boas práticas.

A terceira e mais importante premissa nos obriga a buscar o melhor da inteligência artificial para a humanidade. Precisamos que a tecnologia esteja centrada no ser humano e seus direitos fundamentais; que combata fins discriminatórios, ilícitos ou abusivos; promova o aumento da competitividade e da produtividade brasileira; e estimule a melhoria na prestação de serviços públicos. Mas, sobretudo, que esteja atenta à capacitação da mão de obra para essa nova sociedade que nascerá.

O debate sobre inteligência artificial já começou na Câmara dos Deputados, por meio do Projeto de Lei 21/2020, que cria o marco legal do desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial. O texto pretende estabelecer princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança para a IA.

Como a tecnologia é dinâmica, diversa e em constante evolução, devemos pensar em regulamentações para IA mais flexíveis. É importante que o Congresso Nacional se comprometa a aprovar uma lei principiológica, que fomente o uso da tecnologia, e tenha em mente que no centro desse debate estão as pessoas.