“Nem todas as mulheres gostam de apanhar, só as normais.” A polêmica frase do pernambucano Nelson Rodrigues, escritor, teatrólogo e romancista, dita no século passado, nunca teve rebate na realidade. Causou, e ainda provoca, muitas controvérsias. Por alguns, foi entendida como estímulo à violência doméstica. Por outros, tratava-se de provocação para escancarar o lado hipócrita de uma sociedade que não reconhecia os malefícios do machismo dominante, que coisifica a mulher.
A violência por gênero é crescente na mesma sociedade que recita, canta e dança, ou o fazia no passado, o frevo Cala boca moleque, do cantor e compositor Capiba, conterrâneo de Rodrigues: “Sempre ouvi dizer que numa mulher/ Não se bate nem com uma flor/ Loira ou morena, não importa a cor/ Não se bate nem com uma flor”.
Hoje, a Lei Maria da Penha (nº 11.340), sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, completa 15 anos. Uma vitória das mulheres contra o comportamento de maridos e companheiros machistas que as agridem por entender que são objetos, e não pessoas que merecem respeito. A partir da vigência da lei, em 22 de setembro de 2006, os agressores passaram a ser punidos com mais rigor penal. O poder público estabeleceu políticas de proteção às mulheres. Foi criado o Disque 180, que, no âmbito federal, recebe denúncias das vítimas. Surgiram delegacias especializadas para o atendimento de mulheres agredidas, além de casas-abrigo para mantê-las distantes dos algozes.
Os importantes avanços na legislação penal, provocados pela incansável luta das feministas, não conseguiram conter a brutalidade masculina. Assim, em 2015, quando a expressão feminicídio — o assassinato por questão de gênero — ganhou destaque na pauta de reivindicações do universo feminino, foi editada a Lei Federal nº 13.104, que agravou a punição de namorado, marido, companheiro e ex que matam a mulher, principalmente quando ela rompe com o relacionamento. A Lei do Feminicídio complementou a Lei Maria da Penha.
Ao mesmo tempo em que as leis Maria da Penha e do Feminicídio têm relevante importância como marcos legais para inibir a violência, indicam que há muito a ser feito para desconstruir o machismo, o principal gatilho das agressões e mortes no ambiente doméstico, ou fora dele, motivadas pela diferença de gênero. A mudança passa pela educação, o único instrumento que pode romper com o histórico e ultrapassado paradigma de que os homens são seres superiores às mulheres.
Uma compreensão equivocada e ilógica que alimenta a desumanização do masculino, transformando-o em ser irracional. O momento sugere uma inflexão da sociedade para recuperar o atraso na eliminação das iniquidades, dando espaço largo e perene à equidade de gênero. Vidas femininas importam.