OPINIÃO

Artigo: A essência do totalitarismo

"Cartazes afixados nas esquinas de Berlim seriam cabíveis como "memes" das mídias sociais contemporâneas"

“O pensamento requer
não só inteligência e
profundidade,
mas sobretudo coragem.”
(Hanna Arendt)

Para Joseph Goebbels, o motor da ideologia nazista seria turbinado pelo confessional e não pelo cognitivo. “Cristo não apresentou nenhuma prova no Sermão da Montanha, limitou-se a apresentar informações. Obviedades não precisam de prova.” Semana passada, dois fatos nos remeteram aos tempos sombrios da ascensão e tomada do poder pelo partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães (NSDAP).

O primeiro, um encontro entre autoridades do governo e parlamentares brasileiros com uma deputada alemã, do partido de extrema-direita AfD, agremiação que tangencia o ideário nazista. O segundo, uma postagem do Supremo Tribunal Federal, usando um aforismo nazista propalado por Goebbels, para contestar algumas declarações do poder central: “uma mentira repetida muitas vezes vira verdade? NÃO!

Sobre aquele período, consultei a obra de Peter Longerich, Joseph Goebbels — Uma Biografia (Objetiva, 2010). Pesquisa profunda que deslinda uma personalidade narcísica perturbada. Longerich revela que até o suicídio de Goebbels foi idealizado como uma peça de propaganda ideológica em defesa obcecada do mito, Adolf Hitler, e do nacional-socialismo.

A mentira tornou-se oxigênio, vital para o processo de convencimento. Para Goebbels, pouco importava no que as pessoas acreditassem, contanto que acreditassem. A propaganda professada não seria argumentativa, bastava atingir as massas. Seu princípio basilar, chamar a atenção. “Estão começando a falar de nós […] ainda que a contragosto e com raiva.”

As campanhas difamatórias lembram o atual ambiente de batalha do ciberpopulismo. Cartazes afixados nas esquinas de Berlim seriam cabíveis como “memes” das mídias sociais contemporâneas. Com o domínio das máquinas da imprensa e das antenas de radiodifusão determinava que os órgãos de notícia divulgassem, em rede nacional, os discursos do Führer. Eram eventos grandiosos, considerados purificadores para o projeto totalitário.

Aproveitava-se também dessas mídias subservientes para demonstrar ao alter ego sua obtusa e sabuja fidelidade. Hipocritamente, afiançava ser um defensor da “via legal” para ascender ao poder. Como marqueteiro, trabalhou a imagem do Führer em duplo papel: portador da esperança e salvador da nação, acima das querelas partidárias, e, igualmente, um homem simples e um ex-combatente devotado.

Na luta pelo domínio da narrativa, seu objetivo estratégico era afogar a liberdade de imprensa. “Opinião pública é fabricada, e quem participa da sua construção assume uma responsabilidade enorme perante a nação e perante todo o povo.” Ameaçava física e moralmente os jornalistas renitentes, afirmando que os excluiria, a qualquer custo, da missão inspiradora. É uma “imprensa anarquicamente destrutiva e isoladora.”

Como diretriz de comunicação oficial, proclamava: “uniforme nos princípios, mas multiforme nas nuanças”. Era a absoluta nazificação das agências de notícias. Gostava de ridicularizar os rivais do partido de modo aparentemente inofensivo. Mas, segundo Albert Speer, arquiteto-chefe do terceiro reich, diante de Hitler, demonstrava uma imensa flexibilidade para adaptar-se às observações do chefe, mesmo que antes defendesse o contrário.

Seu passivo emocional era doentio. “O velho problema, ou eu faço sozinho, ou eu me alegro quando dá errado”. Recusava-se a acreditar que a realidade, muitas vezes, superava a propaganda. Muitas outras citações serviriam de lastro para comprovação das atrocidades conduzidas por Joseph Goebbels. Fiquemos nas particularidades da mente doentia. Os reflexos do nazismo-fascismo nos tocam até hoje. A guerra mundial e o holocausto são as faces mais grotescas e visíveis que a história nos aponta.

Mas abaixo da linha d’água, sem a percepção cotidiana da sociedade, essas ideias não feneceram, cambiaram de roupagem. Valendo-se da “ingenuidade” dos processos democráticos, batem sorrateiramente à porta frágil das democracias sobressaltadas. Contra isso, lutaram os aliados. Lutaram os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB), nas montanhas gélidas da bota italiana, durante a Segunda Guerra Mundial.

Nessa epopeia pereceram 457 brasileiros, cujo sangue, suor e lágrimas vertidos não merecem desrespeito ou esquecimento de seus concidadãos. Aqueles heróis que fizeram a cobra fumar são inspirações perenes. Por eles, a sociedade brasileira continuará peleando em defesa da liberdade. A genuína liberdade!

Paz e bem!

*Otávio Santana do Rêgo Barros é general de Divisão R1