Visto, lido e ouvido

Desde 1960

Circe Cunha (interina)
postado em 21/08/2021 20:46

Sobre sal e pimenta; política e cidadania

Engenhosidades, mesmo as mais básicas, podem, em algumas circunstâncias, constituir elemento de grande valia, sobretudo quando servem para diluir projetos, que, em última análise, iriam prejudicar e complicar a vida da população no longo prazo. O Brasil, por sua formação cultural sui generis e inzoneira, conferiu à nossa gente uma capacidade também única para transformar as influências tanto externas, como aquelas introduzidas pelas elites, em algo inofensivo, de modo a diluir regras e modismos, transformando-as em algo verdadeiramente útil e consumido pela população em geral.

É o nosso jeitinho de encarar o dia a dia adverso e a indiferença secular do Estado em relação a sua gente. Assim é que o jazz, uma modalidade genuinamente norte-americana, foi transmutada aqui em bossa nova, ganhando logo o apoio interno e, posteriormente, o mundo. Por aqui, também, o requintado whisky virou cachaça.

O mesmo ocorre com as grandes marcas e grifes, que podem ser encontradas, fielmente copiadas e a preços camaradas, nas feiras populares de muambas e de contrabando. Regras e leis, por essas bandas, existem para serem desprezadas ou adaptadas aos distorcidos costumes locais. Fôssemos elencar a quantidade de produtos e de outros modismos importados e posteriormente modificados internamente, iríamos verificar que essa é praticamente uma lista sem fim.

Esse é um fenômeno que ocorre no cotidiano das pessoas comuns e espraia-se também por todo o Estado. Se há filas, há aqueles que guardam lugar na fila. Se tem burocracia; tem os despachantes que conhecem as pessoas certas em cada repartição pública e, assim, a coisa anda. Exemplo maior desse nosso modo de desvirtuar e degenerar tudo pode ser conferido no caso de investigações e condenação de políticos e outros personagens de altos escalões da República.

Para essa gente especial, as leis e punições geralmente não funcionam; e, quando funcionam, não resultam em penalidades. Assim é que, possivelmente, teremos nas próximas eleições um candidato recém saído da prisão, condenado nas três instâncias por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e toda uma lista de delitos, disputando, nada menos que a Presidência da República ou o comando da nação. E com chances de vencer, segundo pesquisas.

Em outras paragens, essa seria uma situação impossível de acontecer. Esse nosso jeito de distorcer o mundo e seus costumes a nosso favor faz de nós um modelo a não ser copiado pelo mundo civilizado. Essa tem sido uma receita que cabe somente a nós mesmos, ainda que isso custe o nosso próprio futuro. Somos o que somos porque degeneramos o mundo ao nosso redor.

Os partidos políticos, que em outros países representam o esteio da democracia, por aqui foram transformados em empresas, com proprietários, negócios e lucros, tudo amparado pela União, também transformada em uma espécie de viúva endinheirada e perdulária. Propósitos e orientação ideológica? Nenhuma dessas dezenas de legendas sequer conhecem a existência. Nossa democracia é assegurada justamente por essas agremiações políticas, povoadas de indivíduos cujo único objetivo é extrair o máximo de vantagens econômicas para si e os seus, numa engrenagem perversa que conta com o apoio de larga parcela do eleitorado, que enxerga nesse modelo um reflexo de si mesmo no espelho.

Por certo, a anunciação de uma terceira via política, que poderá vir para resgatar os brasileiros do atraso, tão logo os prognósticos lhe proporcionem alguma vantagem, começará a ser assediada pelos mesmos parasitas, que encontrarão, nesse novo abrigo, um espaço e um modo de desvirtuá-la, transformando-a, também, na mesma farofa insossa e apimentada que temos.


A frase que foi pronunciada

“Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer”
Graciliano Ramos


Lembrete
» Se houvesse o voto eletrônico e o impresso concomitantemente, tudo funcionaria a contento. Quem esqueceu que durante uma votação na Casa dos representantes do povo apareceu um voto a mais? Sobram argumentos para a segurança do voto impresso ao lado do eletrônico. O que falta é boa vontade.


Ajufe
» Tímida, mas comovente, a iniciativa da Associação dos Juízes Federais do Brasil que, pela Comissão Ajufe Mulheres, expressou solidariedade às juízas que trabalham no Afeganistão. Com várias cenas chocantes no país, onde uma multidão tenta fugir dos talibãs, mães jogaram os filhos pelo muro para os soldados norte-americanos os levarem dali. Momentos como esses nos fazem relembrar que a democracia, com ordem e liberdade, ainda é a melhor opção.


História de Brasília
Efetivamente, não é função da Caixa Econômica a venda de selos. Mas, em virtude das dificuldades de Brasília, vinha sendo uma tradição interrompida antes do tempo, porque as nossas tabacarias não adotaram a praxe. (Publicada em 7/2/1962)

 

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