O leilão para a venda do Palácio Capanema, localizado no centro do Rio de Janeiro, considerado um marco da arquitetura moderna brasileira e um símbolo da educação no Brasil, não poderia ser mais emblemático do momento desalentador da educação superior pública.
Nos últimos dois anos e meio, tivemos a passagem de três ministros pelo Ministério da Educação (MEC), todos responsáveis pela demolição de décadas de organização e gestão da educação, sem que nada de sólido e adequadamente planejado esteja emergindo para ocupar tudo o que vem sendo destruído. Nos restringimos aqui à discussão do ensino superior, mas os danos afetam profundamente todos os demais níveis educacionais, em um efeito cascata.
Desde 2019, os ataques às universidades públicas federais pelos ocupantes do cargo máximo do MEC são recorrentes. Independentemente desses ataques, as nossas instituições se armaram de seus melhores talentos e de suas vocações para o serviço público e tornaram-se elementos cruciais no esforço nacional de combate à pandemia de covid-19.
Sem uma articulação do MEC, reinventaram-se para uma transição emergencial para o ensino remoto, buscando suprir as limitações dos discentes carentes. Esse esforço acontece ao mesmo tempo em que os recursos destinados à educação, ciência e tecnologia sofrem restrições, que fazem o país regredir em décadas no financiamento a essas atividades tão importantes para o nosso futuro.
Uma intervenção mais pragmática na gestão das universidades públicas federais começou a se concretizar com a escolha de reitores ignorando os processos de consulta às comunidades universitárias. Ao mesmo tempo, avançaram as perseguições a docentes que se manifestaram criticamente contra as posições do governo. As declarações recentes do ministro Milton Ribeiro sobre o perfil político desejado para os gestores das instituições explicitam as intenções por trás das afrontas à autonomia universitária.
As declarações recentes do ministro também retomam o ideário de que a universidade é “para poucos”, desconstruindo as políticas públicas que ampliaram o acesso às universidades, implementadas para auxiliar na superação de nossas profundas desigualdades sociais, formando cidadãos aptos para contribuir com a sociedade a partir de uma pluralidade de visões. Muito valeria ao ministro conhecer e estudar as estatísticas sobre o acesso de nossos jovens ao ensino superior, as causas da evasão ao longo de sua jornada nas universidades, os dados de empregabilidade e a melhoria das condições de vida a partir da conclusão do ensino superior.
Infelizmente, o atual governo vem atuando diligentemente também para minar as competências de dois órgãos essenciais às atribuições do MEC: o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). As mudanças frequentes nas posições de decisão dos dois órgãos e a ocupação de cargos críticos por nomes sem expressão ou experiência em Educação estão comprometendo seu funcionamento e gerando problemas que podem perdurar por muito tempo.
Em tempos de discussão de reforma administrativa no âmbito federal, destaca-se que a situação só não é mais avassaladora pelo trabalho de servidores de carreira do MEC e suas autarquias. Muitos têm enfrentado pressões internas e censura ao se posicionarem de acordo com os preceitos do serviço público.
As universidades federais têm, sem dúvida, muitos pontos que precisam ser melhorados e revisados. No entanto, é inegável que elas são o polo gerador de ciência e tecnologia no Brasil e que, por meio de incontáveis atividades de extensão, retornam também à sociedade o conhecimento gerado mesmo em condições cada dia mais adversas.
A abertura das instituições pelas políticas afirmativas é, talvez, a ação mais consistente e exitosa para dar melhores oportunidades aos talentos brasileiros das classes sociais menos privilegiadas economicamente. Simplesmente, não é aceitável que a sociedade e a classe política fechem os olhos à demolição ora em curso.
Artigo endossado pela Coalizão Ciência e Sociedade — (www.cienciasociedade.org)
* Mercedes Bustamante é professora titular da Universidade de Brasília
* José Alexandre F. Diniz Filho é professor titular da Universidade Federal de Goiás
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