ORLANDO THOMÉ CORDEIRO*
Fomos brindados na última quarta-feira pela espetacular manchete do Correio Braziliense que sintetizou tudo o que aconteceu na véspera: “Democracia avança. Golpismo vira fumaça”. Os últimos meses foram muito difíceis para o presidente Bolsonaro. Aumento do custo de vida decorrente da escalada inflacionária, avanço dos trabalhos da CPI da pandemia e mais recentemente a “surpresa” dos R$ 89 bilhões de precatórios que precisam ser quitados em 2022.
Acostumado a pautar as redes sociais e a mídia, viu seu protagonismo ser contido pela dificuldade de encontrar algum tema que mantivesse o engajamento e a mobilização de seus apoiadores. Particularmente, a descoberta dos esquemas de corrupção no Ministério da Saúde foi o golpe mais duro sofrido por ele, pois, pela primeira vez, aguçou-se a percepção em expressivas parcelas da sociedade de que a narrativa do “governo sem corrupção” era uma mentira.
Diante dessas dificuldades e do crescimento do risco de sofrer impeachment, ele não teve dúvida: voltou às suas origens, convocando o Centrão para o coração do governo. Em paralelo, continuou a pressionar as Forças Armadas (FFAA) na permanente expectativa de transformá-las em “seu exército”. Se esses movimentos reduziram, por enquanto, a possibilidade de perda do mandato, não se revelaram suficientes para retomar a iniciativa do debate nacional.
Foi então que recorreu ao binômio voto impresso e ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), particularmente em julho, aproveitando o recesso parlamentar que interrompeu o trabalho da CPI. Sem dúvida, essa estratégia foi exitosa no que se propunha, qual seja, reorganizar sua base de apoiadores nas redes sociais. Em contrapartida, pela primeira vez, o TSE e o Supremo Tribunal Federal (STF) reagiram de maneira contundente, abrindo processos de notícia-crime em uma clara mudança de patamar no enfrentamento dos ataques recebidos.
Porém isso não impediu a manutenção da estratégia definida pelo presidente. Ao contrário, intensificou as ações de tal forma que conseguiu desviar o foco da discussão nacional para o tema durante as últimas semanas. Nem mesmo a derrota, por larga margem, da proposta de voto impresso na comissão especial foi suficiente para frear o ímpeto dos ataques.
Numa tentativa de agradar, ao mesmo tempo, Bolsonaro e as lideranças partidárias, o presidente da Câmara Federal resolveu avocar a decisão sobre voto impresso para o plenário. Importante observar que a iniciativa de Arthur Lira visava, principalmente, reassumir o controle da pauta congressual. Em linguagem popular, mostrar quem manda.
Ressalte-se que, espertamente, ele optou por levar a voto a PEC original de autoria da deputada Bia Kicis que não definia os detalhes da implementação do projeto, ao contrário do relatório do deputado Filipe Barros, derrotado na comissão especial que propunha apurar os votos em cada seção eleitoral contando as cédulas impressas, revelando a real intenção por trás do argumento de aumentar a segurança do processo. Para completar, as FFAA foram convocadas para darem uma demonstração de força, coincidentemente, no dia da votação, mas o que se viu foi um espetáculo lamentável, expondo ao ridículo a instituição.
Apesar de toda pressão e da distribuição de benesses, não conseguiram alcançar os 308 votos necessários. O governo foi derrotado por larga margem! Na mesma data, a democracia foi vitoriosa em outra votação quando o Senado Federal revogou a famigerada Lei de Segurança Nacional, um instrumento remanescente da ditadura e, agora, finalmente enterrado. Ou seja, foi um dia de júbilo!
E daqui para frente? É certo que o bolsonarismo insistirá nos ataques às urnas eletrônicas e às cortes superiores, sob a liderança do próprio presidente. Ao recuperar a iniciativa, Bolsonaro continuará sendo um candidato forte em 2022. Caberá aos democratas encontrar a narrativa adequada para enfrentar a guerra que se seguirá.
Por outro lado, tudo indica que o futuro próximo não deverá trazer boas notícias para o governo. A conclusão dos trabalhos da CPI, os precatórios, a inflação em alta, a crise hídrica e o desemprego podem provocar uma queda de popularidade a ponto de ele não ser reeleito, podendo até mesmo ficar de fora do segundo turno.
No caso de uma eventual derrota, creio que tentará estimular tumultos no período entre apuração e posse, à semelhança do que fez Trump, mas deixará o palácio em 1º de janeiro de 2023. Por fim, parece-me evidente que o bolsonarismo, assim como o trumpismo, continuará vivo e mobilizado. Vão infernizar a vida de quem assumir a presidência para o próximo mandato.
*Consultor em estratégia
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