ANTÔNIO CARLOS CÔRTES
Advogado, escritor, psicanalista e um dos fundadores do Grupo Palmares
A primeira reunião do Grupo Palmares foi realizada em 2 de julho de 1971 na Rua Tomás Flores, 303, em Porto Alegre (RS). O segundo encontro ocorreu na casa dos meus pais, Egydio Ribeiro Côrtes (falecido) e Isolina dos Santos Côrtes (hoje, com 104 anos), na Rua dos Andradas, 849, na mesma cidade, momento em que se decidiu pelo nome de Palmares. Foi minha a iniciativa de dizer não ao 13 de maio e sim ao 20 de novembro, data da morte de Zumbi. Trabalho coletivo. Nos anos 1970, quatro universitários negros decidiram rever a história. A proposta era recriar data comemorativa em confrontação ao 13 de maio, dia da abolição da escravatura. O grupo era composto por Oliveira Ferreira da Silveira, Ilmo da Silva, Vilmar Nunes e este escriba. Nossa pauta era valorizar a identidade negra. Consideramos também fundadores Jorge Antônio dos Santos (Xangô) e Luiz Paulo Assis Santos, que, por questões de foro íntimo, pediram para não ser citados.
Para os afrodescendentes, o 20 de novembro era a data que melhor representava nossa história. Esses jovens ajudaram a instituir o Dia da Consciência Negra. Palmilho trechos da trajetória do grupo na tríade de livros: Bailarina do sinal fechado, Rua da Praia 40º e Degraus da vida (Ed. Palmarinca). Durante as discussões, descobri o livro O Quilombo dos Palmares, de Edison Carneiro. Após estudar essa e outras obras, o movimento decidiu pelo 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares. Com o tempo, vieram apoios à iniciativa de todo o país. Matéria no Jornal do Brasil sobre grupo negro que, em Porto Alegre, contestava o 13 de maio e era favorável às comemorações no dia 20 de novembro mereceu destaque nacional.
O grupo encerrou as atividades no fim da década de 1970, porque o objetivo havia sido alcançado. Em seguida, a causa foi assumida pelo Movimento Negro Unificado (MNU), que, com base nas pesquisas dos gaúchos, oficializou a data. Em 1978, o escritor paulista Osvaldo de Camargo, em evento realizado pelo MNU, em Salvador (BA), propôs que 20 de novembro fosse o Dia da Consciência Negra.
Trago à baila essa boa memória, para falar de terapia preventiva — como ferramenta à disposição de não negros. Afinal, é problema branco. Penso que, ao menor sinal do desconforto comportamental, deveriam procurar ajudar o significante a identificar o seu significante. A consciência da doença leva à cura. Se eu não me conheço, jamais vou conhecer o próximo. A mente humana é caixinha de surpresa, mas tem muito dos pais na infância. É preciso conhecer e tratar equívocos. Em 1976, colei grau em ciências jurídicas e sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). As sociais despertaram estudos de psicanálise. Sempre fiz uso dessa ferramenta no exercício de operador de direito e fora dele. Iniciei análise com o professor e psicólogo Francisco Guerguem Neto. Em 2003, atuei na equipe Enigmas da Parentalidade (IPSI — Departamento de Psicanálise e Psicopatologia da UFRGSS). O objetivo era construir exemplos e tratar de responsabilidade, prazer, deleites, gozo, parentalidade, natalidade e carnavalidade.
Nelson Sargento, quando da posse do Elmo José dos Santos na presidência da Estação Primeira de Mangueira, no final dos anos 1990, declarou: “Menino, a Mangueira é uma árvore frondosa, que tem raízes, tronco, galhos e frutos saborosos. Você, como presidente, é galho desta árvore. Não se esqueça: por mais que os galhos cresçam, o tronco sempre será maior, e quem sustenta o tronco são as raízes”.
O psicanalista observa Nelson Sargento. O analisado é a árvore. O nascimento é a semente que brotou. Ao redor do tronco, alma, espírito, a seiva interna de veias que irrompe externamente em galhos e folhas. Se bem cuidada, rende bons frutos. Percalços, medos, angústias, tristezas, melancolias são ervas daninhas que precisam ser extirpadas da alma de não negros. Pela terapia, há crescimento sustentado nas raízes fincadas na infância.
O analista é aquele que ajuda a construir outra temática de enredo. Ele escuta a desafinação. O psicanalista pode ouvir os “surdos” da bateria da vida de alguém. Ao escolher por tratamento psicanalítico, diferentemente de se calcar em critérios preestabelecidos por comissão avaliadora, a pessoa arrisca a encarar o imponderável do desejo inconsciente, mesmo que este venha no sonho. Com Freud, sabemos que o inconsciente pulsa constantemente. Nesse pulsar, cada qual aprenderá a construir outro samba. O Grupo Palmares há 50 anos iniciou seu desfile com enredo cantado da verdadeira história e chega à apoteose com dever cumprido.
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