OPINIÃO

Artigo: O drama da aprendizagem escolar

O desafio que se coloca sobretudo às redes públicas de educação básica é a grande diversidade de estudantes com origens sociais diversas e condições de vida muito desiguais

Mozart Neves Ramos*
postado em 05/08/2021 06:00 / atualizado em 05/08/2021 08:06
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

O primeiro semestre escolar de 2021 terminou, e de maneira muito similar à de um ano atrás. E a resposta é simples: nada fizemos, numa esfera de coordenação nacional, para prover ensino remoto a todas as crianças e a todos os jovens deste país. Os mais prejudicados são os de baixa renda das regiões Norte e Nordeste do Brasil. A desigualdade entre ricos e pobres vai aumentar ainda mais, e também entre as regiões brasileiras. A situação poderia ter sido muito amenizada caso tivéssemos elaborado um plano nacional de conectividade digital, com internet e banda larga, para esses estudantes e professores da Educação Básica. Mas não. Nós os deixamos ao deus-dará.

O retorno às atividades escolares presenciais depende da velocidade da vacinação, que, infelizmente, ainda está muito lenta em nosso país. A cada dia sem aula, mais afastamos os estudantes da escola e começamos a perder a oportunidade de assegurar um futuro digno a essa geração de crianças e jovens.

As primeiras avaliações vêm mostrando o abismo em que estamos mergulhando no campo da aprendizagem escolar. Com a transparência que o tempo exige, o estado de São Paulo foi o primeiro da Federação a fazer uma avaliação da proficiência escolar de seus alunos do 5° e 9° anos do ensino fundamental e do 3° ano do ensino médio. Os resultados apontam para um grande retrocesso — e isso no estado cuja área pública, juntamente com a do Paraná, mais rapidamente conseguiu oferecer atividades remotas para boa parte de seus estudantes.

O maior retrocesso ocorre nos alunos do 5° ano. Em língua portuguesa, o retorno corresponde aos resultados de 10 anos atrás, enquanto em matemática, o impacto é ainda maior, voltando aos resultados de 14 anos atrás. Outro resultado que chama a atenção é o de matemática relativo ao 3° ano do ensino médio: é o pior resultado da série histórica do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), relativo à rede estadual de São Paulo.

Um estudo realizado pelo Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e a África Lusófona (FGV-EESP Clear), vinculado à Fundação Getulio Vargas, ainda no âmbito das estimativas e divulgado em janeiro de 2021, projeta que os alunos dos anos finais do ensino fundamental (do 6° ao 9° ano) podem ter regredido, em média, até quatro anos em leitura e língua portuguesa, ao levar em conta os resultados de proficiência do Sistema de Avaliação da Educação Básica. A estimativa também indica uma redução na nota média de matemática — nesse caso, com perda equivalente a até três anos de escolaridade.

Outra pesquisa, do Instituto Unibanco em parceria com o Insper Instituto de Ensino e Pesquisa — “Perda de aprendizagem na pandemia”, divulgada recentemente —, aponta que os estudantes que chegaram ao terceiro ano do ensino médio em 2021 perderam nove pontos de aprendizagem na escala do Saeb em língua portuguesa e 10 pontos em matemática. O estudo também indicou como tais perdas na aprendizagem podem impactar a renda salarial ao longo da vida do estudante que concluir o ensino médio em 2021. Levando em consideração que um aluno pode perder 10 pontos na escala do Saeb neste ano, segundo a pesquisa, cada ponto afeta 0,5% na remuneração de um trabalho exercido pelo jovem.

Paes de Barros, coordenador da pesquisa, explicou ainda que, multiplicando a média por aluno pelo número total de estudantes da rede pública do ensino fundamental e médio, o impacto de perda na renda é de R$ 700 bilhões em 2020, e no fim deste ano de 2021 pode chegar a R$ 1,5 trilhão, caso não ocorra um esforço gigantesco dos três níveis de governo e dos sistemas de ensino para enfrentar imediatamente os desafios da perda de aprendizagem.

O desafio que se coloca — sobretudo às redes públicas de educação básica, que atendem 85% dos estudantes do país e grande diversidade de estudantes com origens sociais diversas e condições de vida muito desiguais — refere-se à urgência da volta às aulas e à necessidade de desenvolver novas estratégias e metodologias pedagógicas eficazes para recuperar e acelerar a aprendizagem desta geração de crianças e jovens fortemente afetada pela pandemia.

Para o enfrentamento dessa situação, o Conselho Nacional de Educação (CNE), em colaboração com as três esferas de governo e instituições e organizações vinculadas à área da educação, elaborou parecer e resolução para o enfrentamento desse desafio, cumprindo, assim, o seu papel de órgão de estado em defesa da educação.

*Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP - Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE

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