A agricultura familiar foi reverenciada nesta semana, inclusive com um dia internacional comemorado no domingo, mas, no Brasil, está bem distante do reconhecimento e do tratamento devido à atividade em um país que almeja lugar entre as nações desenvolvidas. O mérito da garantia do abastecimento de gêneros alimentícios durante a pandemia de covid-19 tem sido atribuído, nos gabinetes políticos de Brasília, à mesma conta de resultados do festejado agronegócio, quando são os produtores familiares os responsáveis por 70% dos alimentos postos à mesa dos brasileiros.
A própria Conab divulgou o perfil da produção conduzida em pequenas propriedades rurais país afora, admirável do ponto de vista da capacidade de trabalho e da qualidade, embora as dificuldades dos agricultores persistam para bancar desde o trato da terra à comercialização, assim como para enfrentar o acesso limitado à tecnologia. Não há como negar a importância do setor, que vive desprestígio, apesar de sua contribuição ao título do Brasil de grande produtor de comida.
A agricultura familiar ocupa 77% dos estabelecimentos agropecuários no Brasil, emprega mais de 10 milhões de trabalhadores, universo que representa 67% das pessoas ocupadas no campo, de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE, de 2017. São 3,897 milhões de estabelecimentos, ocupando 80,891 milhões de hectares.
A necessidade de assistência e apoio ao setor pode ser verificada, também, em outras características: ocupando 23% da área total dos estabelecimentos agropecuários, os agricultores familiares responderam por 23% do valor da produção. A escolaridade é baixíssima. Cerca de 21% deles não sabem ler nem escrever; 15% jamais frequentaram a escola e só 43% estudaram até o ensino fundamental.
Considerando-se o total das áreas rurais medido pelo IBGE, o número de propriedades conectadas à internet é inferior a 28%, e somente 46% delas têm acesso à banda larga. Especialistas no assunto e produtores têm reclamado do enfraquecimento das políticas públicas voltadas para a atividade. Além do equívoco que essa perda de valor da agricultura familiar representa, ela não poderia estar ocorrendo em pior momento, tendo em vista a necessidade de o país aumentar a oferta de alimentos como fator essencial para conter o avanço dos preços pagos pelas famílias.
O potencial da agricultura familiar mostrado pelos dados do Censo do IBGE é enorme, tendo em vista que ao redor de 40% do universo global dos estabelecimentos agropecuários não comercializam a sua produção porque não têm como vendê-la.
Boa parte dos agricultores familiares também atua como extrativista, aquele importante elo da cadeia de produtos naturais, conhecidos como itens da sociodiversidade brasileira, a exemplo de babaçu, pinhão, açaí, cacau e a castanha-do-Brasil. Trata-se de outro motivo para que o governo crie e reforce programas de incentivo e garantias para o setor.
Movimentos populares e parlamentares têm se mobilizado por recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos, voltado ao combate à fome por meio do estímulo à agricultura familiar. Pedem, ainda, a liberação de verbas não utilizadas da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária.
Outro contrassenso foi o corte de crédito para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que perdeu R$ 1,35 bilhão no Orçamento da União 2021. É preciso não só recompor essa destinação, como também reduzir os juros dos financiamentos disponibilizados aos agricultores familiares, hoje, de no mínimo, 2,75% ao ano. A Embrapa já vem alertando sobre a falta de visão no Brasil quando se tenta associar o trabalho da agricultura familiar à simples subsistência das famílias.
Há barreiras contra a transformação da atividade em empreendimento capaz de se desenvolver e crescer. Levar capacitação e tecnologia ao campo é medida essencial nessa direção. Estudos já mostraram que a extensão limitada das áreas disponíveis aos produtores familiares prejudica a busca de viabilidade financeira desses estabelecimentos, na medida em que eles precisam ganhar escala de produção. Ainda de acordo com a Embrapa, cerca de 70% dos produtores do Nordeste não apuram lucro suficiente para retirar a família da linha de pobreza. Eles precisam, ainda, de acesso, dentro de condições adequadas, à modernização, por meio de conhecimento sobre o uso de matérias-primas e insumos e de máquinas e equipamentos.